O perdão que divide: como a anistia se tornou símbolo da nova guerra política
A recente articulação do ex-presidente Jair Bolsonaro, que reuniu sete governadores e diversas lideranças políticas na Avenida Paulista, em São Paulo, no último domingo (6), reacendeu uma pauta controversa: o Projeto de Lei da Anistia. Prevista no Código Penal, a anistia é uma forma de extinguir a punibilidade de um crime — ou seja, um perdão legal concedido a brasileiros ou grupos específicos.
Esse movimento é mais um episódio do processo de polarização que domina a política nacional nos últimos anos. A proposta visa anistiar os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, e, segundo o presidente da Câmara, Hugo Motta, desvia o foco das urgências sociais e econômicas que de fato afetam a vida dos brasileiros.
O termo “anistia” carrega um peso histórico significativo. Em 1979, ainda durante o regime militar, a Lei da Anistia foi aprovada como um o ambíguo em direção à redemocratização, perdoando tanto opositores perseguidos quanto agentes do próprio regime. Foi vista como tentativa de reconciliação nacional, embora até hoje suscite debates sobre impunidade — tema que voltou à tona com o premiado filme _Ainda Estou Aqui._
O projeto atual, contudo, tem motivações distintas. Em vez de sinalizar reconciliação, parece ancorado em disputas políticas imediatas. Ao contrário da transição de 1979, que envolveu negociação institucional, o PL hoje soa como ferramenta para blindar aliados e preservar uma determinada narrativa política — o que levanta sérias dúvidas quanto à sua legitimidade democrática.
Embora o texto não beneficie diretamente Bolsonaro, inelegível até 2030, a oposição vê na proposta uma brecha para reverter esse quadro, abrindo caminho para sua eventual candidatura no próximo ano.
Apesar da força simbólica do ato na Avenida Paulista, a proposta enfrenta obstáculos no Congresso. O centrão, grupo com peso decisivo nas votações, não apoia o projeto. E sem as 257 s necessárias, a matéria segue paralisada. Ainda assim, sua simples existência ocupa espaço no debate público, ocasionando em um sobrestamento informal de pauta, além de continuar a alimentar divisões profundas no país.
Experiências internacionais ajudam a iluminar o debate. No Chile, após a ditadura de Pinochet, a anistia foi alvo de intenso escrutínio popular e internacional. Na África do Sul, o perdão só era concedido mediante confissão pública, numa tentativa real de reconciliação. São modelos fundamentados no reconhecimento da verdade — algo ausente na proposta brasileira.
Vivemos hoje uma “guerra de versões”, em que a política se distancia da busca por soluções concretas e se concentra na preservação de narrativas. Esse ambiente tóxico compromete a confiança nas instituições, dificulta o diálogo entre os Poderes e paralisa a aprovação de reformas estruturantes. Em última instância, afasta o debate público das necessidades reais da população.
Ao investir capital político num projeto sem consenso, o sistema político brasileiro sacrifica a construção de uma agenda mais relevante — que deveria priorizar desenvolvimento, inclusão e justiça social. O Brasil precisa urgentemente sair do ciclo da revanche e retomar o caminho da institucionalidade.
*João Vilas Boas é bacharel em Ciência Política, pós-graduado em Gestão Pública, graduando em Direito e Assessor Parlamentar
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