"Tem muita gente muito boa precisando de um e", afirma Rachel Reis sobre cena musical independente na Bahia
In·de·pen·den·te. Adjetivo que revela quem age com autonomia, mantém-se livre de qualquer influência. Na arte, descreve o artista que não tem vínculo com uma grande gravadora, ou editora. No bom e simplificado português: quem, aos trancos e barrancos, caminha com as próprias pernas.
É assim desde o começo para Rachel Reis, de 27 anos. Natural de Feira de Santana, revelação da música baiana com reconhecimento internacional através do Grammy Latino que se tornou paixão nacional com sucessos como 'Maresia', 'Ventilador', 'Motinha', 'Desatei', 'Pelo' e tantas outras canções de uma carreira "recém" iniciada, em 2020, mas que já rende bons frutos.
“Eu fico feliz, eu realmente me emociono quando paro para analisar as coisas. Eu fiz barzinho durante dois anos, de 2016 a 2018. Cheguei, enchi o saco da música, falei que eu não ia mais cantar, queria estudar, queria fazer minha faculdade, hoje eu estou terminando ela. Eu sinto que as coisas se movimentaram, foram acontecendo. É um processo que acontece pedrinha por pedrinha, sabe? Um dia após o outro. Eu tenho essa sensação de que foi pedrinha por pedrinha, mas uma construção sólida que tem me permitido caminhar com os onde eu consiga entender o que eu quero."
Independente por não ter vinculo com instituições, mas não por ter feito o caminho inteiramente sozinha, apesar de ser uma artista solo.
Ao longo da trajetória rumo ao estrelato, Rachel faz questão de mencionar aqueles que a auxiliaram nessa caminhada, desde os amigos que imploraram para a artista deixar a timidez de lado e se soltar nos palcos, aos músicos que acompanham a cantora nos shows ao redor do país. São eles Cuper, Zamba, Tomaz Loureiro, Beatriz Sena, Tainã Troccoli e o público, que soma mais de 680 mil ouvintes mensais no Spotify e enchem os shows, vide o Canto da Sereiona, realizado nesta sexta-feira (20) em Salvador, que teve os ingressos esgotados e já tem segunda edição confirmada para 2025.
Independente por ser sozinha, mas caminhando junto, Rachel Reis celebra a caminhada não só dela, mas de toda cena independente baiana. "Eu me sinto muito feliz e orgulhosa de fazer parte disso, acho que a cena está muito bonita, tem gente de todos os lugares, de todos os estilos, de todos os ritmos. Eu gosto desse laço que se construiu por um motivo, porque a gente é fã do outro, porque a gente gosta de trabalho um do outro e não porque é bonito, porque vai sair bem na fita".
Rachel Reis foi a convidada do BN Entrevista de dezembro e bateu um papo sobre carreira, cena musical independente na Bahia, vida fora dos palcos e quais serão os próximos os na carreira. Confira a entrevista completa:
Rachel, você lançou o primeiro single dessa sua nova era, que é o ‘Ensolarada’, e eu quero saber como tem sido para você trabalhar essa nova Rachel Reis?
Tem sido uma experiência muito interessante de ser vivida essa construção desse álbum. Eu acho que todo artista tem essa coisa do, esse próximo é o que eu mais amo, é porque não tem jeito. Eu estou muito feliz com a construção dele, desde o início, por ser o último projeto que venho trabalhando nos últimos tempos, que naturalmente acontece com um pouco mais de maturidade, um pouco mais de empenho, um pouco mais de visão. Uma visão mais madura, então, ele tem sido ali do jeitinho como eu quero que ele seja. É um álbum onde eu continuo batendo ali sobre o amor romântico, uma das linguagens que eu gosto de trabalhar e que permeia tudo. Eu vou vir trabalhando um pouco mais sobre mim, sobre meus sentimentos. Ele já tá para sair, já estamos ali nos 99% do projeto pronto e estou doida para jogar no mundo.
Raquel, você falou que não tem esse problema em relação a fazer muitos feats, e percebo também que você busca fazer esses feats com artistas da cena independente. Teve com o Filho de Jorge, você já colaborou também com o Yan Cloud e eu quero saber de você, isso da cena independente. Eu vejo que tem uma força muito ali entre os próprios artistas de estarem se apoiando, de estarem um colaborando com o outro, um dando essa força ao outro? Como você analisa a cena atualmente?
Eu acho que tem uma cena muito bonita. Sou uma pessoa de Feira de Santana, eu gosto de bater nessa tecla de que existe arte, existe movimento também nesses lugares. Fico feliz de estar aqui, de morar em Salvador e de poder ser pertencente e abraçada pela cena daqui também. Eu sinto orgulho de permear, de conseguir ter parceria com o Yan, de trabalhar com Filhos de Jorge, Murilo Chester, e vejo esse movimento dessa galera crescendo muito, da gente ver a música chegando em outros lugares. A gente vê uma cena composta muito por pessoas pretas alcançando novos lugares, e eu me sinto muito feliz e orgulhosa de fazer parte disso, acho que a cena está muito bonita, tem gente de todos os lugares, de todos os estilos, de todos os ritmos.
Só em Feira de Santana tem eu, Duquesa, Russo apulso. Aqui tem uma galera incrível, gente que eu conheço e que sou fã. Então, eu acho que tem se formado uma cena muito bonita, que está sendo abraçada. E essa união é totalmente natural. Eu gosto dessa coisa de tipo, esse laço se construiu por um motivo, porque a gente é fã do outro, porque a gente gosta de trabalho um do outro e não porque é bonito, porque vai sair bem na fita.
Uma outra coisa também, e aí eu acho que é uma opinião minha, como uma pessoa que consome música e que ira a música baiana, eu vejo muitos artistas da cena independente conquistando o Brasil, não com uma certa facilidade, mas a gente percebe, por exemplo, que o eixo Rio-São Paulo consome bastante os artistas daqui, e a gente percebe vocês na line-up de festivais grandes, como Coala, como Rock the Mountain. Queria saber de você, como uma pessoa que gosta de música, o que você acha que falta para a gente ter eventos aqui em Salvador, a eventos aqui na Bahia, com esse tamanho de colocar a cena independente no holofote total?
É um negócio para se pensar realmente. Essa festa tem sido construída toda do zero, e aqui pela gente, a nossa força de vontade, a construção da nossa equipe, de fazer o rolê acontecer, da minha equipe. Eu fico vendo essas movimentações também, a Bahia é super falada, super consumida. A gente tem que ter esse cuidado de observar como é que acontece, né? Porque às vezes acontece muito de consumirem muito a gente, estigmatizarem a gente. Então, isso é um movimento que a gente tem feito por si só, de levantar as nossas próprias festas, de correr atrás, de conseguir ser aceito dentro dessas festas e desses espaços. Mas eu acho que você como consumidora e eu como artista também tenho essa visão de que as coisas precisam ser um pouco melhores observadas.
O que está rolando? O que essas pessoas precisam? Como é que a gente faz para juntar essa galera toda num só lugar e para deixar essa voz bem mais forte? Eu acho que isso é um senso geral. Tem muita gente muito boa fazendo tudo do zero, precisando de um e. Reclamam muito às vezes comigo,’Ah, porque você não faz X, não faz Y, porque você não tá não sei aonde’. Porque tem que me chamar, a galera tem que me chamar, entendeu? A gente não pode chegar na praça e bater a, entendeu. A gente tem que levar uma banda, a gente tem que levar e. Eu tô sempre aberta a participar dos eventos, eu tô sempre aberta a participar de tudo, só que a gente sozinha, não pode fazer. Então, eu acho que tem que rolar esse olhar com mais cautela, com mais cuidado, porque está se formando, porque está sendo construído. Tem muita gente boa. Eu fico besta com a forma como a cena baiana cresce e se destaca. E muitas vezes ali, sozinha, por uma força da gente, uma força dos artistas, uma vontade de fazer o negócio acontecer. Eu acho que falta esse olhar mais cauteloso.
Você já falou em entrevistas que tem pouco tempo de carreira para o público, que vem de uma família de música e sempre fala da sua mãe. Com o pouco tempo de música para o público geral, você já tem essa notoriedade, é reconhecida pela crítica, já foi indicada ao Grammy, já teve música em novela, em seriado. Eu quero saber como você se sente, tendo tão pouco tempo e conquistando tantas coisas, e com tanto ainda por vir.
Eu fico feliz, eu realmente me emociono quando paro para analisar as coisas. Eu fiz barzinho durante dois anos, de 2016 a 2018. Cheguei, enchi o saco da música, falei que eu não ia mais cantar, queria estudar, queria fazer minha faculdade, hoje eu estou terminando ela. E quando eu tive esse start de gravar as minhas primeiras músicas, além de 2020, foi só esse primeiro estalo de juntar o dinheiro, gravar e me jogar nisso, eu sinto que as coisas se movimentaram, foram acontecendo. É um processo que acontece pedrinha por pedrinha, sabe? Um dia após o outro. Eu tenho essa sensação de que foi pedrinha por pedrinha, mas uma construção sólida que tem me permitido caminhar com os onde eu consiga entender o que eu quero, entender o que eu não quero, entender as minhas movimentações ali de uma forma muito tranquila. Então, eu fico muito feliz quando eu faço esse panorama de tudo que aconteceu. Eu tenho conseguido viver da minha música, viver das minhas composições, trabalhar com as pessoas que eu gosto, trazer para junto pessoas que eu gosto para poder trabalhar comigo também, dar e para as pessoas que eu amo.
Foto: Divulgação
Rachel, surgiu uma dúvida na redação de uma pessoa que te ouve, mas não sabe qual gênero musical você se encaixa. Tem muito de artista não querer colocar, se encaixar em um gênero, ter um rótulo. Eu quero saber, qual gênero musical Rachel Reis se encaixa atualmente.
Olha, eu não tenho nada contra o gênero alternativo, inclusive eu adoro. Eu uso muita música alternativa. Eu acho que isso ficou um pouco aberto. Hoje a gente tá na era do streaming, tudo é muita coisa. Falta o significado, ao mesmo tempo, tem muito significado. Hoje eu me considero uma pessoa sem um rótulo. Não me considero uma pessoa com gênero específico, inclusive eu acho que é uma das coisas que faz com que muita gente, todo tipo de gente consome a minha música. Eu acho muito engraçado quando eu abro os stories que eu vejo a marcação, eu vejo emo, eu vejo roqueiro, eu vejo pagodeiro, eu vejo de tudo, idoso, criança, tudo consumindo minha música, eu acho isso muito interessante. Acho que hoje se junta o fator da gente viver nessa época do streaming, onde tudo chega para gente muito rápido, muita informação, ao mesmo tempo, em que eu sempre tive, sempre fui atenta, sempre gostei e tive curiosidade em escutar de tudo, em pesquisar de tudo.
Você falou sobre ouvir um pouco de tudo quando era criança, disse que consumia muito trilha sonora de novela e eu quero saber qual foi a sensação que você teve quando ouviu sua primeira música na novela.
Quando rolou da primeira música entrar em trilha sonora, eu chorei. Quando eu vi ando, eu estava viajando, fazendo show, e aí estava no hotel e ou a chamada assim. Aí eu e o Fernando, meu produtor, com a boca deste tamanho, chorando. Porque é isso, a gente cresce assistindo novela, nossa família, nossos parentes, nossos amigos, meu pai, no horário certinho, ele ia bater o ponto dele, enquanto essa música não tocou, no capítulo, este homem não teve paz, ele não teve saúde, todo dia ele me mandava mensagem, é hoje que vai tocar, dona Rachel?
E a primeira vez que você ouviu sua música na rádio?
Eu acho que eu estava num Uber e aí tocou ‘Ventilador’, [eu falei] sou eu aí moço, sou eu que estou tocando. Filmei na hora, foi um sentimento único ouvir a música tocando na rádio pela primeira vez. Não acostuma vez ou outra, eu tô em carro e tá tocando e eu quero dizer a ele que sou eu, mas me seguro. A gente vai aprendendo a se conter, vai aprendendo a lidar, né? Mas não acostuma.
Além dessa questão do rádio, tem a questão dos palcos também. Você começou a carreira em um momento que a gente não estava tendo show por causa da pandemia, então acredito que teve aquele tempo de adaptação e de se apresentar no palco. Hoje ainda é toda aquela pressão. Como você faz para controlar?
Eu fazia o barzinho [no começo da carreira], a galera não se importava, todo mundo bebendo, comendo, então a responsabilidade era um pouco menor. Quando eu comecei a lançar o meu autoral, que começaram a rolar os shows, os festivais, eu não tinha nenhuma noção do que eu estava fazendo, eu sabia que um povo ali gosta da minha música, então, eu ia ali cantar e entoar sons. Eu não sabia que tinha que ter uma comunicação com a galera, que eu precisava dar um e. Eu ia lá, pegava o microfone, literalmente só cantar, e não queria falar nada com ninguém, bom dia, boa noite, tchau, e ir embora. Eu fui pegando essa noção de que tá, eu estou indo fazer show, é palco, as pessoas estão lá, elas esperam uma interação minha, elas esperam algo de mim, elas querem me conhecer, preciso entregar isso para elas, aos poucos. Hoje em dia eu adoro estar no palco, eu adoro trocar com eles, eu adoro ver eles cantando as músicas, adoro brincar, adoro interagir. Mas foi um processo muito lento, porque de cara eu já caí em grandes palcos.
Para quem te acompanha realmente dá para notar que você desabrochou ali no palco. Você tava falando que sempre foi muito tímida e que você faz o possível também para poder manter a sua vida pessoal fora dos palcos, como você está tratando com isso?
Eu sempre me considerei uma pessoa reservada, de 2016 para cá, eu fui ficando bem low-profile no meu Instagram, quase não postava muita coisa. Tenho começado a postar mais, a interagir mais, porque a galera cobra, e eu sinto que eles estão certos, tipo, eu sou fã de Jorja Smith, por exemplo, ela não posta nada, eu fico adoecida, porque eu não sei o que ela faz, eu não sei onde é que ela anda, eu não sei. Soube até que parece que ela teve filho, ninguém sabia, eu não sabia disso. Eu fiquei chateada, então eu consigo entender que eles fiquem, "cadê?", "apareça mais". Vez ou outra, eu gostava ali de brincar no Twitter, né? Brincalhona, tuiteira, geração tuiteira, eu sou dessa geração. E aí as pessoas começaram a falar ‘Ah não, você é uma estrela. Não pode brincar. Uma estrela’. E eu, poxa gente, mas eu sou dessa geração também, eu sou twitteira. Eu parei um pouco mais de brincar. Eu também comecei a ficar sem tempo, comecei a ficar sem paciência. Mas cada vez mais eu tenho entendido uma forma de me comunicar, de mostrar para as pessoas que me acompanham, que gostam de mim, quem eu sou, ao mesmo tempo que eu reservo esse espaço que é meu, que é pessoal.
Foto: Jasf Andrade
Rachel, você se apresenta no Carnaval, mas se apresenta em palcos, e as suas apresentações sempre são muito esperadas. Queria saber se você tem essa vontade de puxar um trio elétrico, mas assim, um circuito inteiro também.
Olha, eu tenho essa vontade, eu sou uma pessoa que irei muito os trios arem, sempre achei isso incrível e acho que isso influência hoje nesse rolê de ser essa pessoa que consome de tudo. Eu acho incrível a galera que consegue ter esse pique de fazer esse projeto. Vejo Baiana System fazendo isso de uma forma espetacular, eu iro muito Daniela, Ivete, eu acho isso incrível, eu gostaria de fazer, eu não sei se eu vou ter o pique.
Vou pegar uma resposta que você deu para poder fazer essa pergunta. Você falou que você quer estar em muitos lugares, mas que sozinha você não pode. Que é um pouco impossível para quem é artista independente conseguir se colocar em qualquer lugar. Mas eu queria saber se você sente falta de espaços aqui em Salvador e também na Bahia, porque a gente não pode falar só de Salvador, para poder se apresentar e para poder receber essa galera da cena independente.
Eu sinto falta. Eu fico olhando muito ali pelo meu visor de quando eu comecei. Os espaços que eu encontro aqui são feitos de uma forma muito independente. Eu sinto que eu tenho um pouco de sorte também, de alegria. De, por exemplo, no Carnaval, eu tenho que olhar onde é que eu vou cantar. Eu tenho tido a sorte de encontrar espaços onde eu possa me encaixar, mas eu sinto que rola o vazio. Eu conheço muitos artistas muito talentosos, extremamente talentosos, são pessoas encantadoras, e que eu sinto que poderiam fazer mais coisa, estar em outros movimentos, então eu acredito que isso role muito. Muitas pessoas me questionam porque você não vem fazer coisa aqui, porque você não está por aqui, isso é uma coisa que foge do nosso alcance. A gente precisa de uma estrutura, a gente precisa de uma banda, a gente precisa pagar uma banda, a gente precisa pagar a equipe que está inteira ali atrás da gente voltada para que essas coisas aconteçam. Então, isso acaba que fica um pouco fora do nosso alcance. Eu acho que rola mesmo um certo distanciamento ali que atrapalha e que a galera se movimente.
Foto: Luan Martins
Raquel, para finalizar, você já teve música e novela, você já foi indicada ao Grammy, você tem várias parcerias, mas eu queria saber, no sonho de Rachel Reis, qual é a parceria que você sonha que ainda não está no seu catálogo e qual espaço você também gostaria de estar?
Eu adoraria ter uma parceria com Jorge Ben. Tem muita gente que eu queria fazer, mas nessas horas me dá um branco sabe na hora. Tem muitos palcos que eu gostaria de fazer ainda. Eu tenho uma vontade de rodar tudo, assim, sabe? Pelo Brasil. Tive a experiência de fazer a minha primeira turnê esse ano, que foi muito especial também, mas voltei com mais vontade ainda de fazer mais coisas pelo Brasil. Tem muitos lugares que eu posso chegar, que minha música pode chegar, de gente que não faz ideia que eu existo, então eu tenho essa vontade de rodar muito. Quero fazer muitas parcerias ainda amo Jorge, Vanessa da Mata, Caetano, Gil.
E hoje a gente tem uma Raquel realizada, a Raquel artista que começou no meio de uma pandemia e hoje já conquistou o Brasil. Você se considera realizada quanto artista e também quanto pessoal?
Eu me considero muito realizada. Acho que as coisas acontecem da forma como elas têm que acontecer. Sinto que tudo se encaminha para o jeito como tem que ser. E eu fico muito feliz quando eu vejo minha caminhada, quando eu vejo as coisas que eu tenho projetado e tudo que já aconteceu. Eu acho que cada vez mais eu tenho esse sentimento de que é uma coisa após a outra, né? De modo geral, na vida pessoal, na carreira, eu me sinto muito tranquila.