PEC 164/12 e a criminalização do aborto em casos autorizados pelo Código Penal desde 1940
Por 35 votos a 15, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJ – aprovou, na última quarta-feira, 27/11/2024, a Proposta de Emenda Constitucional – PEC – 164/12, que propõe alterar o caput do artigo 5° da Constituição Federal para tornar inviolável o direito à vida desde a concepção.
A redação atual do artigo 5° da Constituição Federal assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade à vida, porém não define o momento em que ela se inicia.
Uma vez aprovada a Proposta de Emenda à Constituição, o texto aria a vigorar com a seguinte redação: “art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
A justificativa dos autores da proposta, os ex-deputados federais Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e João Campos (PSDB-GO), é essencialmente de que a vida não se inicia com o nascimento, mas desde o momento da concepção, de modo que a proposta visa garantir o direito de inviolabilidade à vida aos fetos.
Nesse sentido, a alteração proposta pela PEC inviabilizará qualquer tipo de interrupção de gravidez, inclusive nos casos já permitidos pela legislação e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
O Código Penal prevê, em seu artigo 128, que não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante (inciso I), quando a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (inciso II).
Além disso, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – n° 54, em abril de 2012, que a gestante possui o direito de decidir se deseja interromper a gravidez nos casos em que reste constatada, por meio de laudo médico, a anencefalia do feto – condição caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana.
Nessa conjuntura, a PEC 164/12 propõe alterar o texto constitucional para proibir o aborto mesmo nas três hipóteses atualmente permitidas no Brasil, quais sejam: risco de morte para a gestante, gravidez resultante de estupro e fetos anencéfalos.
Inegável que o cerne das discussões que circundam a Proposta de Emenda à Constituição é, sem dúvidas, a perda de um direito que meninas e mulheres possuem desde 1940 de interromper uma gravidez fruto de uma violência sexual. Restringir o o ao “aborto legal” nesses casos é violentar novamente as meninas e mulheres e puni-las com penas mais graves do que o estuprador.
Segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –IPEA – em 2023, o Brasil tem cerca de 822 mil casos de estupro por ano, o que corresponderia a quase 2 casos por minuto. De acordo com o Ministério da Saúde, o maior número de estupros ocorre no pico de idade de 13 anos. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022 foram registrados 74.930 casos de estupro, dos quais 40% eram contra meninas negras. Ainda também segundo a Organização Mundial da Saúde –OMS – e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA –, o aborto clandestino é o quinto maior causador de morte de parturientes no país, dessas sendo a maioria mulheres negras.
O texto representa não apenas um retrocesso das lutas pelos direitos reprodutivos, desconsiderando a complexidade e delicadeza das situações que envolvem a violência sexual das mulheres, mas também uma afronta ao direto à saúde, dignidade e liberdade das gestantes.
Sob outra perspectiva, a PEC representa também um óbice ao avanço científico, pois ameaça inviabilizar estudos importantíssimos como os de células tronco, além de possivelmente proibir a reprodução assistida e fertilização in vitro já que dará ao óvulo fecundado e ao embrião o direito absoluto à vida.
Após a aprovação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJ –, a proposta será analisada por uma comissão especial e, sendo aprovada, será então votada pelo Plenário da Câmara dos Deputados em dois turnos, para então seguir para o Senado, caso seja aprovada com 308 votos favoráveis dos deputados. No Senado, a proposta ará novamente pela CCJ de lá e, caso aprovada, seguirá para votação do plenário também em dois turnos.
*Ticiana Miranda Galvão é advogada especialista em Direito Penal Econômico e sócia do Galvão e Lino Advogados Associados
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