Advogada Lalesca Moreira relata desafios e resistência no exercício da profissão
A presença de símbolos religiosos de matriz africana, como vestes brancas, colares sagrados e cabeça coberta, ainda são alvos de preconceito em muitos espaços sociais, inclusive no campo jurídico. É o que relata a advogada criminalista Lalesca Moreira, baiana, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal, que carrega na sua atuação profissional a força da ancestralidade e da fé no Candomblé.
Em entrevista ao Bahia Notícias, Lalesca contou como sua identidade religiosa impacta sua rotina pessoal e profissional, especialmente após sua iniciação no culto de matriz africana. “Eu já mostrava minha rotina como advogada criminalista. Quando fui iniciada, continuei mostrando, mas os olhares já não eram os mesmos”, relata.
Vestir branco, cobrir a cabeça e evitar determinados ambientes faz parte das restrições de seu resguardo religioso, um período de um ano após o rito de iniciação. Ainda assim, ela jamais pensou em abrir mão de sua fé para evitar conflitos ou críticas. “A minha fé é algo inegociável. Jamais deixaria de trabalhar por estar no período de resguardo ou deixaria de cumprir o resguardo por conta do trabalho.”
Nas redes sociais, Lalesca se tornou alvo de comentários preconceituosos, questionando sua postura, competência e até mesmo sua presença em espaços jurídicos. Apesar disso, ela afirma encontrar apoio na comunidade de terreiro e no escritório onde trabalha. “Sempre que acontecia algo nas redes, eu recebia acolhimento. A estrutura da religião também é uma família.”
Mesmo com o preconceito que enfrenta, ela nunca foi impedida formalmente de atuar. Um episódio que a marcou ocorreu em uma delegacia, onde um agente permitiu a entrada apenas de seu colega homem, mesmo ambos sendo advogados. “A gente sente a interseção do racismo religioso, do machismo e do racismo. As pessoas ainda estranham ver uma mulher preta, vestida de branco, ocupando esses espaços.”
Lalesca vê sua presença como um ato de representatividade e inspiração. “Quando as crianças do Candomblé enxergam uma advogada, médica, juíza da religião, elas pensam: ‘se ela conseguiu, eu também posso’.”
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A trajetória da advogada foi marcada por superações. Para custear seus estudos, trabalhou como motorista de aplicativo enquanto se preparava para o Exame da OAB. Após ser aprovada, ou a atuar em casos sensíveis. Um dos que mais a impactou envolveu um jovem negro acusado injustamente de roubo dentro da escola. “A acusação foi feita com base apenas no ‘formato do olho’ dele. No fim, conseguimos provar que ele não estava lá no momento e ele foi solto.”
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias
A advogada defende a criação de políticas de proteção e valorização da diversidade religiosa no Judiciário, inclusive com a garantia do uso de vestes religiosas. “Se existe a proposta, é porque muitas pessoas já aram por isso. Eu mesma já ouvi: ‘Ela pode estar assim dentro do tribunal?’”.
Para Lalesca, viver sua fé e sua profissão lado a lado é uma forma de resistência. “Ser você mesmo é o que faz com que as pessoas gostem de você. A gente não precisa agradar ninguém. A gente precisa se respeitar.”
Veja a entrevista na íntegra: