Entrevistas
Presidente da UPB quer abrir poços para minimizar estiagem na Bahia; gestor ainda enalteceu emendas e refinanciamento com INSS
Por Francis Juliano
Recém-empossado por aclamação, Wilson Cardoso (PSB) já tem um problema para resolver como presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB). Quase 70 municípios já estão com decreto de emergência devido aos efeitos da estiagem.
Para o também prefeito reeleito de Andaraí, na Chapada Diamantina, o mais importante no momento é abrir poços subterrâneos, entregar cesta básica e comprar produtos que substituam o capim.
Em entrevista ao Bahia Notícias, Cardoso discorreu como se deu as articulações para se tornar candidato único na UPB, falou sobre emendas parlamentares, alvo de operação na Bahia, e avaliou a situação das prefeituras diante da proposta de refinanciamento da dívida com o INSS. Leia abaixo a entrevista na íntegra.
Foto: Alana Dias / Bahia Notícias
Primeiro, queria voltar um pouco sobre o processo de formação da chapa única que o aclamou como presidente da UPB. Como o senhor conseguiu obter todos os apoios possíveis?
Eu considero uma construção assim, bonita. Eu fui costurando primeiro com os pré-candidatos, e eles foram cedendo e me apoiando. Posso citar Augusto Castro, de Itabuna; Gustavo Carmo, de Alagoinhas; Moreirinha, de Itapicuru. Só no PSD, se eu não me engano, tinha quatro pré-candidatos. Tinha ainda Danilo [PCdoB] Delicinha, de Várzea da Roça; Kitty [Avante], de Taperoá; Beto Pinto (MDB), de Medeiros Netos. Aí só ficou o Phelippe Brito (PSD), de Ituaçu, que resistiu, mas quando percebeu que nós alcançamos 300 apoios, e a gente só precisava de 200, aí ele recuou.
Mas veio o café da manhã com o governador...
Exatamente, aí o governador Jerônimo chamou o Phelippe, expôs a ele a caminhada, mostrando que nós estávamos preparados. Eu sou municipalista há um tempo. Fui presidente da FECBahia [Federação dos Consórcios Públicos do Estado]. E o governador Jerônimo foi fundamental para poder chegar no consenso, porque ele não tomou partido. Ele me recebia como recebia Phelippe e como recebia todos. Então, mostramos a Phellipe que ela era ainda muito novo, que ainda tinha muita estrada.
Houve algum acordo para que o senhor apoiasse Phellipe Brito em uma eleição futura?
Negativo. Ele tentou colocar isso antes, e eu disse a ele que não faço esse tipo de acordo. Porque vamos lá. A gente faz um bom trabalho, os colegas apoiam uma reeleição, aí eu vou chegar para os meus colegas e vou dizer: ‘eu não posso ir para a reeleição porque eu tenho um acordo’. Aí eu disse: ‘olha, Phelippe, eleição na UPB é de dois em dois anos, e você pode se candidatar’. Ele até tentou distorcer essa conversa na época, dizendo que eu tinha dito que ia me perpetuar na UPB. Imagine, eu sou contra isso. Totalmente contra. Mas hoje estou com o Phellipe, ele agora é meu amigo, e a gente reconhece o trabalho dele.
Foto: Alana Dias / Bahia Notícias
O senhor pretende concorrer à reeleição na UPB?
Claro, se eu fizer um bom trabalho, eu não tenho dúvida que posso me candidatar de novo. Eu sou contra é a pessoa se perpetuar. Então, se eu tiver com saúde, com vontade, porque você tem que estar com vontade, com energia suficiente para continuar servindo, não tem a dúvida que serei candidato à reeleição.
Vamos entrar no tema da ordem do dia, a estiagem. Quais as regiões mais afetadas pela falta de chuva no estado?
A Chapada Diamantina e a região de Irecê é caso de quase calamidade, mas outras regiões já começaram a sinalizar esse problema. A situação está gravíssima.
O que esses municípios precisam de fato agora?
Olha, nós tivemos em Brasília, e antes nos reunimos aqui com a Sema [Secretaria estadual de meio ambiente] para tratar de algumas medidas emergenciais. Tipo: onde tiver poços perfurados, dar outorga, mesmo provisória, de 120 dias, para usar aquele poço. Porque, a depender da qualidade da água, vai resolver o problema dos animais e também do consumo humano. Por exemplo, nós fizemos uma parceria através do consórcio Chapada Forte com a SDR [secretaria de desenvolvimento rural] no início do governo de Jerônimo. Na época também tinha seca, mas não como a de agora. E nós instalamos cerca de 60 poços em uma velocidade muito grande, e isso amenizou bastante a situação.
Além de poços, quais outras alternativas para minimizar a estiagem?
Cesta básica também é importante, porque a maioria dos pequenos produtores da agricultura familiar, que estão à margem do Rio Utinga, perdeu toda a sua produção, especialmente aqueles que plantaram milho, que plantaram hortaliças. A cidade de Wagner, na Chapada Diamantina, que é uma das grandes fornecedoras de hortaliças, ficou muito afetada. Além disso, fazer barragens.
E tem condição de as barragens resolverem logo a situação?
Para agora, não. Mas temos que aproveitar que o tempo está seco neste momento e fazer aquelas barragens de nível. Acredito que o Inema [Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos] vai liberar essas barragens. E dá para construir isso de forma rápida enquanto a chuva não vem. Porque fazer a barragem com rio correndo, pode até fazer, mas fica mais caro. E sobre isso, a prefeita de Lençóis, Vanessa Senna (PSD), que é presidente do consórcio Chapada Forte, já autorizou a liberação das máquinas para ajudar. E ainda sobre barragens, já existe um projeto, da época do governo Wagner, para a barragem do Rio Utinga, que vai resolver definitivamente o problema da região.
Foto: Alana Dias / Bahia Notícias
E a alimentação dos animais, como resolver?
A minha maior preocupação são os pequenos produtores que já começaram a perder o seu rebanho. Quando a seca vem, o animal, que depende de volumoso, no caso o capim, para ruminar, mesmo que você coloque o milho, a farinha de soja, o farelo de trigo e tal, o animal vai morrer porque ele precisa desse volumoso. Então, a gente tem que ver uma maneira para comprar subproduto do algodão, porque misturando isso na ração, o animal não vai morrer. Não é para engordar, porque não tem condições disso agora, mas para manter o animal e fazer com aquele pequeno produtor que levou 15 anos, 20 anos, para juntar dez cabecinhas, não perca isso de vez.
E sobre estoque de alimentos com a Conab. O senhor já tentou alguma ajuda?
Nós tivemos em Brasília e procuramos o ministro Rui Costa para poder junto com a Conab fazer uma ação para distribuir milho para os pequenos produtores. Direcionar para aqueles que têm pequenos animais, como suínos, ovinos e caprinos.
E o projeto de cisternas, que foi quase abandonado, pode ajudar também nesse momento?
É importante, mas uma cisterna dessa, que vai depender da chuva e da enxurrada para encher, só vai segurar 40 dias, 45 dias, isso com 50 mil litros. Se o cara estiver produzindo um feijãozinho, o negócio vai rapidinho, além da evaporação nesse período, que é muito grande. O que resolve agora é perfuração de poços, levando água encanada para as comunidades e para os produtores.
O senhor já falou que vai fazer de tudo para que os municípios possam conseguir emendas parlamentares. Como vai ser isso, já que as emendas têm sido alvo de investigações sobre desvios, vide a Operação Overclean, deflagrada pela Polícia Federal?
Nós somos a favor de mais emendas, de mais dinheiro na mão dos deputados. Agora, com transparência. Fazer com que essas emendas cheguem naquele município e foque na necessidade do município. Por exemplo, é bom que venha emenda parlamentar para ajudar a construir a barragem do Rio Utinga, para estruturar a agricultura familiar, com irrigação, com máquinas, tratores, equipamentos. Essas emendas são bem-vindas. Vamos pedir ao presidente Lula que aumente mais esse valor de emenda. Agora tudo isso com transparência. E os municípios pequenos precisam.
É onde entra a necessidade de projetos?
Eu vou te explicar uma situação. Às vezes em um município de 6 mil, 7 mil, 8 mil habitantes não tem nenhum engenheiro que vive na cidade, nenhum arquiteto. E mesmo que tivesse, o município não teria condição de contratar porque não tem receitas financeiras. Eles vivem pura e exclusivamente dos rees constitucionais, como o FPM [Fundo de Participação Municipal]. E assim, perdem muitas emendas porque não conseguem elaborar e executar projetos. Com isso, ficam suspensos pela Caixa, e a emenda vai embora. Eu garanto que a partir de agora nenhum município da Bahia vai perder uma emenda por falta de projeto. Nós estamos estruturando o setor de projeto e esse serviço é muito importante para no mínimo 180 municípios da Bahia.
Foto: Alana Dias / Bahia Notícias
A PEC 66, que trata da renegociação da dívida previdenciária das prefeituras, foi instalada. Como está a situação dos municípios da Bahia nessa questão?
A PEC 66 é de uma importante muito grande para poder refinanciar as dívidas dos municípios porque há municípios na Bahia que já estão sofrendo com bloqueio do FPM. Não é culpa de quem está assumindo e nem de quem estava lá atrás. Isso vem de muitos e muitos anos. Se você financia em 240 meses [20 anos], e a tradição é que isso seja feito de 4 em 4 anos por causa do mandato. Quando você assume, tem que pagar o seu, e ainda aquele parcelamento que ficou. Isso virou bola de neve, e a Bahia é o maior devedor do INSS da União. Nós precisamos desse refis e da maneira que está na PEC, que não possa ultraar 1% da receita corrente líquida. Paralelamente, sou a favor da redução da alíquota, se não o município também não terá condição de pagar. (Neste ano, a alíquota paga pelas prefeituras é de 12%, em 2026 ficará em 16% e em 2027 será de 20%.)
Prefeito de Luís Eduardo Magalhães espera chegar a Brasília; em entrevista, gestor lembrou de tratamento de Bolsonaro: ‘nem olhou nos olhos’
Por Francis Juliano
O prefeito de Luís Eduardo Magalhães, no Extremo Oeste, Júnior Marabá (PP), faturou a reeleição com 82% dos votos. Com a votação expressiva, Marabá já mira em voos mais altos, como chegar a Brasília e representar a região, que atualmente não conta com nenhum dos 39 congressistas baianos.
Foto: Nayhara Queiróz / Bahia Notícias
Em entrevista ao Bahia Notícias, Marabá falou sobre como conseguiu empilhar 40 mil votos de vantagem para o segundo colocado, discorreu sobre a relação com o governador Jerônimo Rodrigues, com quem diz que tem “ótima relação” e lembrou quando recebeu na cidade dois presidentes da República, Bolsonaro e Lula.
Sobre o ex-mandatário, Marabá não guarda boas lembranças. “Ele [Bolsonaro] nem olhou nos nossos olhos e nem mesmo nos cumprimentou direito, e a equipe dele foi bastante desrespeitosa em vários momentos”, disse.
O senhor teve uma votação expressiva na última eleição, com 82% dos votos válidos. Que arranjo o senhor fez para conseguir essa vantagem?
Isso foi por conta de um trabalho que nós fizemos nos quatro anos anteriores, solucionando problemas que a cidade tinha por mais de 20 anos. Então, durante todos os processos eleitorais se prometia construir um hospital, se prometia fechar um lixão a céu aberto, entregar saneamento básico, pavimentação, uma transformação na educação e vários outros. Eu me comprometi com a população que ia fazer em quatro anos o que eles não haviam feito em 20 e isso me consolidou para uma reeleição como a que eu tive.
Mas esse resultado não teve também um jeito de lidar com opositores, de se aproximar de quem não estava no seu campo político?
Na verdade, não é só gestão. Tem que ter política também. Eu costumo dizer que não existe política sem servidão e não existe gestão também sem política. As duas coisas têm que caminhar juntas. E nós conseguimos construir um grupo político muito forte na nossa cidade. Conseguimos agregar muitas lideranças e hoje eu posso dizer que Luís Eduardo Magalhães tem apenas um grupo político que é o grupo político de Júnior Marabá. E hoje só tem o nosso grupo por quê? Porque nós fizemos essa construção, nós não somos de perseguir adversário. Isso fluiu muito bem tanto é que dos 17 vereadores, nós fizemos 14.
Apesar de ser de um campo político diferente, o senhor tem feito parcerias com o governo do estado, uma delas foi o hospital do município. Como se deu isso?
Eu só consegui abrir o hospital por conta do governador Jerônimo. Minha relação com ele é ótima. Eu tenho hoje na pessoa do governador alguém que eu possa contar como prefeito. Todas as vezes que eu tive necessidade de discutir com o estado, eu sempre fui recebido por Adolfo Loyola [secretário de relações institucionais] e tive o andamento das tratativas. No hospital mesmo, eu não tinha equipamento para colocar para funcionar e foi o governador que conseguiu entregar esses equipamentos. E agora o objetivo é colocar para funcionar uma UTI neste hospital, na qual a gente vai regular junto com o estado para atender a região. Pretendo fazer isso ainda neste primeiro semestre.
Então para o senhor não existe entrave partidário? Só para lembrar, o senhor apoiou ACM Neto na última eleição para governador.
Eu não tive com ele [Jerônimo] no processo eleitoral. Sem dúvida sou de um município que tem uma direita e que é mais conservador. Eu tenho um posicionamento político mais de centro-direita. Entretanto, eu tenho que ser muito justo com quem está estendendo a mão para o meu município. O meu principal papel é com as demandas e necessidades do município que represento.
Essa aproximação com o governador lhe trouxe algum tipo de problema com a base de direita da cidade, principalmente com essa direita extremista?
Não porque eu sempre fui muito direto e sincero na minha conduta. Eu sempre fui assim. No momento do pleito, eu visto a identidade do município, a identidade do nosso grupo político. Não me vejo fazendo campanha de oposição ao governador e não tem porque fazer campanha de oposição ao governador. Sempre fui muito sincero com a população. Por mais que Luís Eduardo Magalhães seja uma cidade mais de direita e conservadora, eu nunca estive apoiando o presidente Bolsonaro no primeiro turno. Apenas estive com ele no segundo turno porque não me sentia representado.
O senhor parece que não teve uma experiência agradável com o ex-presidente Bolsonaro durante agem dele na cidade, não foi?
Na verdade, eu como prefeito recebi dois presidentes, né? [sic] Primeiro, eu recebi o Bolsonaro e depois eu recebi o Lula. Com Bolsonaro, a gente teve por parte da equipe dele falta de bom trato, de respeito conosco. Fui empurrado pela própria equipe dele, e ele nem olhou nos nossos olhos e nem mesmo nos cumprimentou direito. A equipe em si foi bastante desrespeitosa em vários momentos. Já no ano seguinte, com a vinda do presidente Lula, ele foi muito educado, muito gentil, conversou comigo sobre o Luís Eduardo Guimarães, a equipe dele também foi muito educada.
Foto: Nayhara Queiróz / Bahia Notícias
Quais são as suas grandes metas para este ano e consequentemente para o final deste segundo mandato?
Hoje, Luís Eduardo Magalhães é a quinta economia do estado. É a cidade que mais cresce na Bahia e cada dia se consolida mais. Tem uma tendência de crescimento muito grande e a gente tem que preparar o município para isso. Eu tenho uma cidade que faltava muitas necessidades básicas, e ei os primeiros quatro anos corrigindo essas necessidades, de saneamento básico, pavimentação, mobilidade urbana. Nesta nova etapa, eu quero fazer revitalização de bairros. Revitalizar as vias urbanas, fazer áreas verdes e praças. Na educação, depois de combater a fome e desigualdade e oferecer um kit uniforme, mochila e material escolar, a gente quer avançar no ensino, com módulos de português e matemática e oferecer educação financeira.
Essa questão da desigualdade deve ser bem gritante em Luís Eduardo Magalhães, já que a cidade é conhecida pelas grandes fazendas e produções, embora a população não tenha um padrão financeiro alto.
Luís Eduardo é uma cidade rica, mas o meu sonho é que essa riqueza possa ser compartilhada e dividida entre as pessoas. Porque, você vê uma disparidade social muito grande e uma divisão. Tudo que eu fiz foi para unir a cidade em uma coisa só, dando oportunidade de vida e melhoria para as pessoas e diminuir a dificuldade e a dor delas. Você não consegue de fato retirar toda dor e dificuldade, mas você consegue diminuir. No programa Meu Lar, a gente entrega reforma de casa, principalmente para mães solteiras. Às vezes são casas que não tem banheiro, que não tem um reboco batido, a gente vai e reforma essa casa. Além disso, entregamos duas mil cestas básicas por mês e sempre reavaliamos o cadastro para entregar para quem precisa. Outra coisa, lá em Luís Eduardo Magalhães não tem camarote em evento público.
Isso tem sido uma praga em diversas cidades.
Em todos eventos, não tem camarote da prefeitura. No arraiá da cidade, em uma noite que teve 60 mil pessoas, o cara que anda de jato ou o cara que anda de bicicleta dividiu o mesmo espaço. Eu criei essa política pública em relação aos nossos eventos e enquanto tiver recurso público eu não vou permitir camarote, vendendo ingresso.
O senhor tem outras pretensões políticas para depois de encerrar o mandato de prefeito? Ser deputado estadual ou federal, por exemplo?
Meu desejo é construir uma representatividade significativa na região Oeste. Nós temos 39 deputados federais, e o Oeste, falando especificamente da Bacia do Rio Grande, não tem nenhum deputado federal, mesmo sendo uma região promissora com destaque econômico e social na Bahia. Então quero construir um projeto para linkar esses municípios e termos um representante da região no plano nacional. Agora, lógico que isso depende de uma construção.
“Ficou mais visível”, avalia especialista sobre presença de facções em eleição na Bahia
Por Francis Juliano
A presença das organizações criminosas na Bahia reverbera também na política. Nas eleições deste ano, políticos de vários espectros ideológicos se queixaram e relataram casos de intimidação. Para o especialista em segurança e cofundador da Iniciativa Negra, Dudu Ribeiro, a relação do crime com a política só ficou mais visível neste ano, mas já ocorre há um tempo. Em entrevista ao Bahia Notícias, Ribeiro criticou o modelo de polícia dominante, que funciona na “lógica da guerra”; avaliou a situação do governador Jerônimo Rodrigues diante do problema e declarou que os municípios baianos de pequeno porte podem interferir, mesmo diante das limitações, em colaborar na diminuição dos índices de violência. Leia a entrevista completa abaixo:
Você acredita que neste ano a interferência dos grupos criminosos nas eleições foi mais visível?
Nós avaliamos que ficou mais nítido, por isso teve um interesse maior da imprensa. Como a gente está vivendo na Bahia inteira um acirramento dos conflitos ligados ao tráfico de drogas. De fato pode ter havido mais episódios.
Fala-se cada vez mais na presença de políticos financiados pelo crime organizado. Também isso aconteceu nessa eleição?
Na verdade, sempre teve isso. Na existência dessas organizações criminosas, a relação política sempre esteve presente. Não apenas como o Executivo e o Legislativo, mas também bastante com o Poder Judiciário.
Um levantamento da Secretaria Nacional de Políticas Penais aponta que há 21 facções criminosas na Bahia, das 88 do país. O maior número por estado. Como minimizar esse drama?
Primeiro, fazer mudanças profundas, inclusive na forma como o estado brasileiro lida com a questão das drogas. Foi o estado brasileiro que optou por fazer uma guerra para lidar com um problema complexo, que é o uso de substâncias. Isso fez com que se criassem as organizações ilegais para manter esse comércio. E elas se armaram para proteger o seu comércio. Além disso, a altíssima apreensão de pessoas para o sistema prisional tem alimentado essas facções. Muitas dessas pessoas, inclusive, entram no sistema prisional sem estar ligado a nenhum grupo organizado e saem de lá vinculados a alguma facção.
Foto: Amanda Tropicana / Iniciativa Negra
A Bahia desde 2019 tem a polícia mais letal do país. O discurso da violência policial muitas vezes seduz a opinião pública e parece difícil em épocas eleitorais algum político querer discutir isso a fundo. Como você observa isso?
É Importante observar que essa escalada da violência policial na Bahia coincide com a aprovação de uma resolução em 2019, assinada pela Secretaria de Segurança Pública e pelas polícias que mudou a forma de investigação de crimes letais cometidos por militares. Isso só foi derrubado em 2023 no Tribunal de Justiça da Bahia, que declarou essa medida inconstitucional. Na vigência dessa resolução, nós observamos a escalada da violência policial. Obviamente aumentou não apenas devido à resolução, como também por esse quadro de intensificação da guerra às drogas na Bahia, com tantas organizações disputando esse comércio.
Alguns analistas políticos afirmam que o estilo da polícia no estado não mudou, pelo contrário, piorou em letalidade. Porque é difícil mexer nisso?
Existe de fato uma dificuldade do poder civil de controlar o poder militar. Isso não é apenas um problema do governador Jerônimo. É de qualquer governador brasileiro. Isso é uma condição que a própria Constituição criou ao determinar o lugar da Polícia Militar e estabelecer dois controles. As Forças Armadas e o Poder Civil controlam a mesma polícia, mas deveriam na verdade compartilhar esse controle. Só que isso não acontece. Ainda assim, o governo poderia ter tomado medidas dentro desse quadro que pudesse de fato combater a escalada da violência.
Quais, no caso?
Por exemplo, um investimento real em solução dos crimes contra a vida, que ainda é abaixo de 20% na Bahia, e investigação e punição de agentes que tenham cometidos atos ilícitos graves. O que eu tenho dito bastante é que não é uma crise de gestão exclusivamente da Bahia. É uma crise do modelo. A Bahia talvez represente o que no Brasil inteiro a gente pode notar. Que é um modelo que é baseado no equipamento de guerra, que é a Polícia Militar, que não tem condições de promover vida. Um equipamento de guerra não se movimenta para proteger a vida. Ele se movimenta para eliminar o inimigo e proteger o território e a propriedade. Então, a gente precisa tirar esse modelo e construir de fato uma segurança pública baseada numa força com controle civil e delegar aos militares apenas as tarefas que lhe sejam pertinentes, que não é e nem nunca deveria ter sido a prestação de segurança pública cotidiana.
De imediato, o que o governo baiano poderia fazer para começar a melhorar essa situação da violência?
Primeiro, é necessário que o governo ita que o problema é grave e combata o discurso de vincular qualquer letalidade com eficácia e eficiência. Porque isso a, inclusive, uma mensagem ruim para a tropa. Não é possível que somente a Secretaria de Segurança Pública lide com o tema da segurança. É necessário entender que a segurança pública não é só coisa de polícia. A gente precisa saber qual o papel da Secretaria de Educação, qual o papel da Secretaria de Cultura. Nós divulgamos que 81% dos dias letivos nos últimos dois anos foram impactado por pelo menos um tiro nas escolas públicas de Salvador. É necessário chamar, de forma real, a participação da sociedade civil para a construção de soluções. Mas sem itir o problema e querer reverter o quadro do jeito que está, a gente tem pouquíssima condição de mudar.
Foto: Tony Silva - Nucom / Seap
O governador Jerônimo precisa do presidente Lula para enfrentar essa violência?
Nem Jerônimo e nenhum governador vão ter condições de resolver isso sozinho. Porque o mercado de drogas e de armas é transnacional. Então é fundamental uma perspectiva de colaboração. Na PEC da Segurança do governo Lula, uma das poucas novidades interessantes é a busca por padronização dos dados, que hoje é completamente autônoma nos estados. A gente sempre diz que produzir dados com qualidade nos ajuda a fazer boas políticas públicas. De resto, essa PEC fortalece todo o discurso de guerra, como usar a PRF e a PF em mais operações. Isso não vai reverter o quadro ativo. É você olhar para uma guerra e não pensar em desmontar ela. Você quer aumentar o aparato bélico que vai fazer com que as organizações ilegais também se reforcem, e ocorre aí um contínuo de violência. Não que não seja necessário o combate ao crime organizado, mas tem que ser com base na inteligência, na produção de dados e no diálogo com a sociedade civil.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, fez recentemente uma provocação ao governador Jerônimo Rodrigues, sugerindo que ele, Caiado, daria jeito na segurança da Bahia. Ele tem moral mesmo do que está falando ou apenas fez uma bravata?
É importante que a gente perceba os índices de segurança pública. Aqui na Bahia, de dois anos seguidos para cá percebemos uma redução dos números. Mas isso não necessariamente informa que tem uma política funcionando. Muitas vezes os dados são sensíveis a eventos extremos. Por exemplo, em relação aos dados do mês de setembro e agosto deste ano nós já sabíamos que iam ser menores do que o do ano ado em Salvador. Porque em agosto e setembro deste ano não teve a morte do policial federal em Valéria que desencadeou uma operação de vingança. Então aumentou o número de homicídios naquele período por conta de um evento. Se esse evento não acontece no ano seguinte, vai ter uma redução nos números, mas não quer dizer que a política de segurança pública funcionou. É fundamental que a gente consiga sempre avaliar a política de segurança pública a médio e longo prazo para saber se é uma conformação das organizações criminais e por isso reduziram-se os homicídios ou se é de fato um investimento na profissionalização das polícias e isso fez com que reduzisse momentaneamente os conflitos armados. Mas não dá para nenhum governador se gabar de ter resolvido o problema de segurança pública. Porque a gente continua fazendo com que a polícia atue no sentido de guerra e de controle, sobretudo de pessoas negras, periféricas.
Dos 417 municípios baianos, 60% deles têm até 20 mil habitantes. Nesses locais, o efetivo policial é pequeno e não há guarda municipal em muitos deles. No entanto, o tráfico e as facções já estão presentes promovendo crimes. Como as prefeituras, dentro das competências delas, podem ajudar na melhora da segurança?
Esse é um caminho importante. É preciso convocar as prefeituras a participarem do debate da segurança pública porque muitas vezes elas se abstêm de trabalhar sobre o tema de segurança pública. Mas na verdade as pessoas vivem e morrem nos municípios. Por isso é fundamental que os próprios municípios, caso queiram participar do Sistema Único de Segurança Pública, criem os seus conselhos municipais para discutir soluções. Isso aí vai dar sugestões ao executivo estadual, vai dar sugestões a atuação da polícia, mas de fato não tem uma fórmula mágica que seja aplicável a todos os municípios baianos.
Foto: Tony Silva - Nucom / Seap
Como quebrar a resistência de parte da população que não se importa com a truculência policial, desde, é claro, não seja contra ela?
Tem setores na sociedade que não só não se importam com essa violência contra a população preta, periférica, como se beneficiam disso. Elas estão muito confortáveis e não querem ser convertidas do contrário. Mas uma grande parte da população brasileira também tem uma dificuldade porque não lhes foi apresentada uma alternativa no campo da segurança pública, que talvez seja um dos nossos grandes problemas na redemocratização do Brasil.
Isso se deve a quê?
O campo progressista como um todo não conseguiu apresentar um projeto alternativo ao dos militares para a segurança pública. Nós fizemos contribuições robustas para a construção do SUS [Sistema Único de Saúde], do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], e de vários outros mecanismos, mas no campo da segurança pública, o campo progressista investe no discurso punitivista, que é baseado na lógica da guerra e da violência. E isso faz com que a população brasileira que se importa não consiga visualizar que há alternativa fora da lógica da guerra. E a guerra também se beneficia do pânico e do medo criado por essa sensação de insegurança, e as pessoas querem os seus problemas resolvidos. Assim, se há problema é porque está faltando polícia, arma e viatura.
No Brasil, há alguns exemplos em segurança pública que a gente possa se inspirar?
Tem experiências conhecidas em cidades menores, como Canoas, no Rio Grande do Sul, que é sempre referenciada como uma um local onde a inteligência ajudou a distribuir as forças policiais, evitar conflitos e criar uma nova relação com a comunidade. Ao redor do mundo tem experiências como a de Medelín, na Colômbia, que reduziu em 80% os crimes contra a vida na década de 1990. Ao invés de investir na guerra, se investiu na cidadania. Ao invés de mandar mais arma, mais viatura, mais colete, mais tiro, investiu em mais oportunidade, educação, transporte, cultura, criando um ciclo virtuoso na comunidade que não dispensa o trabalho da polícia.
Descriminalizar as drogas serviria para diminuir o poder das facções criminosas? Uma vez em entrevista ao Bahia Notícias, o então secretário de segurança pública, Maurício Barbosa, disse a descriminalização pelo menos da maconha poderia atingir em cheio essas facções. Como você avalia isso?
Liberar as drogas nunca foi pauta de ninguém. Quando se fala em regulamentar quer dizer controlar a partir do Estado e das suas instituições. Descriminalizar vai tirar o peso da atuação sobre o usuário e é fundamental que a gente comece a fazer esse trabalho para resolver o que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu. E o sistema prisional virou um ambiente de altíssima violência de estado, de depósitos e pessoas, e essa violência é sentida fora dos muros. Com a regulamentação, a gente pode também fazer as reparações necessárias. Reparar as comunidades, as famílias e as pessoas atingidas pela lógica da guerra e criar uma cultura de pacificação. Os números de violência letal no Brasil são de países que estão em guerra, 50 mil assassinatos por ano só é aceitável no Brasil porque nós estamos falando de uma maioria absoluta de homens negros. Se nós tivéssemos um quadro de 50 mil pessoas brancas assassinadas no Brasil, o país estaria parado, chocado, chorando e tentando resolver.
“O povo de Ilhéus vota nas pessoas”, diz prefeito sobre possível estadualização de campanha
Por Francis Juliano
A pouco menos de cinco meses de deixar a prefeitura de Ilhéus, no Sul, Mário Alexandre faz comparações sobre o que encontrou em 2017 e o que vai entregar até o final do ano. Padrinho da pré-candidatura do ex-secretário Bento Lima, o gestor não ite uma composição com a pré-candidata do PT, a ex-secretária de Saúde e Educação do Estado, Adélia Pinheiro, recentemente filiada à legenda.
“A mulher nunca fez uma campanha em Ilhéus. Ela está querendo saber dos problemas de Ilhéus agora?”, questionou ao Bahia Notícias. Na entrevista, o prefeito disse ainda que não acredita na “estadualização” da campanha, o que poderia dividir votos com Adélia.
“O povo de Ilhéus, pelo que conheço, vota mais nas pessoas”, acrescentou. Mário Alexandre ainda comentou a relação com o PT local e contou o que vai fazer quando deixar a prefeitura. Veja abaixo a entrevista completa.
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias
Prefeito, o senhor está concluindo oito anos de mandato. Qual a avaliação deste período?
Primeiro, de gratidão, né? Gratidão a Deus, ao povo. São sete anos e quatro seis meses de gestão. Eu tenho dito que é uma alegria e um honra muito grande ter sido prefeito da cidade que eu amo. Foram muitos avanços, basta ver o que era Ilhéus sete anos atrás onde eu peguei quase cinco mil trabalhadores e servidores, pais e mães de família, parados na porta da prefeitura. Sem reajuste durante muitos anos, sem melhoria da qualidade de trabalho, com tíquete alimentação, que era um dos piores da Bahia. Nós temos esses sete anos sem nenhuma greve. Porque valorizamos e melhoramos a qualidade de vida, fizemos plano de cargos e salários, o tíquete alimentação que era de R$ 130 está agora em R$ 630. Esse tíquete é o pão na mesa daquele trabalhador. Então, isso foi de extrema importância pra levantar a autoestima daquela turma que estava sem acreditar em uma gestão.
O que o senhor não conseguiu fazer nesse tempo?
Olha, nós deixamos encaminhados as contenções. Conseguimos inserir no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] do governo Lula esse programa que é o maior do interior do Brasil em contenção de encostas. Nós levamos um projeto atendendo todas as necessidades e exigências do ministério e fomos classificados. Eu fico muito feliz. Precisamos do serviço de macrodrenagem também, porque tem algumas ruas fundamentais que quando chove demais, ficam alagadas. Então, como o município não tinha condições de fazer isso, nós conseguimos inserir e fomos atendidos. Eu tenho dito muito que todos os projetos que nós conseguimos nessa parceria com o governo do estado, o município foi fundamental. Porque o município é que leva e encaminha o projeto.
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias
Na conversa que tivemos com o pré-candidato Bento Lima, escolhido pelo senhor, questionamos sobre pontos que precisam de maior atenção da prefeitura e ele elencou os setores de esportes, cultura e turismo, por exemplo. Ele está certo?
Realmente, esses setores precisam funcionar mais. Até porque o investimento é alto e nós não conseguimos fazer isso com recursos próprios. Nós precisamos recuperar alguns prédios e colocá-los na ativa. Apesar de ter melhorado o Vesúvio e o Bataclã através de concessões, e eles funcionam muito bem, tem outros prédios que a gente precisa ampliar e melhorar a estrutura para incentivar o nosso turismo. No esporte, apesar de ter construído a Areninha, com muito incentivo, nós precisamos ampliar ações, como o triatlhon [ocorrerá em agosto].
Por que a escolha de Bento Lima para disputar a eleição deste ano?
Ele é um gestor, conhece a máquina istrativa. Hoje, o equilíbrio fiscal que nós temos, com salários em dia, valorização do servidor, reajuste, tíquete, convênios, tem participação dele. Além disso, tem mestrado e conhecimento de gestão pública. Isso é bom porque não desanda.
O fato de ele não ser um político em atividade e nunca ter sido prefeito nem vereador, também foi levado em conta?
Claro. Porque ele é nome novo na política. Como Jerônimo [Rodrigues] na eleição de 2022. Jerônimo era secretário e virou governador. Nossa estratégia é mais ou menos com foi feito com o governo do estado. E Bento é uma pessoa preparada. Não estamos pegando qualquer um. Até porque a gente precisa manter a responsabilidade e o ritmo de crescimento, de desenvolvimento, de chegada e atração de empresas importantes. Hoje, o comércio de Ilhéus não reclama do desenvolvimento.
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias
Como Bento Lima vai responder a questões espinhosas enfrentadas pela prefeitura, como a da Operação Trapaça, da Polícia Federal (PF), sobre supostas irregularidades durante a pandemia da Covid-19?
Primeiro, tem que fazer o que nós fizemos. Ilhéus foi referência em Covid no interior da Bahia. Fizemos um hospital de campanha. É claro que na hora daquela emergência é natural que possa ter tido alguma falha. De qualquer forma, as investigações estão em andamento. Se tiver algum culpado vai ter que responder, e todo mundo tem direito a defesa. Mas o mais importante, e eu fico tranquilo em relação a isso, é que não morreu ninguém por falta de aparelho. No Amazonas morreu gente com falta de ar dentro do hospital e tem pessoas respondendo por isso. Em Ilhéus, não. Atendemos os ilheenses e pacientes de cidades até do sertão.
Já está definido o pré-candidato a vice de Bento Lima?
[Risos] Eu acho que o nosso trabalho agora é de apresentar o nome de Bento. Trabalhar, junto com a deputada Soane Galvão (PSB), e outras lideranças. É hora de nossa equipe, nosso grupo, botar o pé na estrada nesses 30 dias. Mostrar o que a gente fez, os avanços. Firmar essa parceria com o governo do estado, já que ele [Bento] é um candidato do PSD, partido do nosso senador Otto Alencar. Agora, a escolha do vice deve sair próximo da convenção. Meu atual vice [Bebeto Galvão, já rompido], por exemplo, foi escolhido no dia da convenção.
Há ainda alguma possibilidade composição com a pré-candidata Adélia Pinheiro? No último Dois de Julho, o governador deixou a entender que podia haver uma aproximação.
Nós estamos trabalhando forte. Nosso candidato, que é o candidato do governo do estado, se chama Bento. Eu sou o prefeito e tive legitimidade de indicar nosso candidato. Tive esse reconhecimento de ser eleito na primeira vez com mais do dobro de votos do segundo colocado, e com quase o dobro de vantagem na segunda eleição. A gente vai buscar fazer política agregando. Eu nunca fui um homem de ficar brigando. Não brigo com adversário quanto mais com aliado.
Em caso de a eleição se estadualizar, quem ficaria mais evidente, Bento Lima ou Adélia Pinheiro?
Essa estadualização nunca foi vista na cidade. O povo de Ilhéus, pelo que conheço, vota mais nas pessoas. É claro que existe a influência. ‘Ah candidato de Lula, candidato de Bolsonaro’. Se fosse assim, o PT por causa de Lula ganharia em Ilhéus. E o PT sempre foi contra mim em Ilhéus e sempre ganhei sem o PT. Então, isso é muito relativo da influência do governo, de Neto. É claro que quando existe aliança, a gente junta todo mundo e é a soma do exército, né?
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias
Então, o seu desgaste é mais com o PT local do que com o partido na Bahia.
Não temos dúvida. O PT local fala mais mal de mim do que da turma de Bolsonaro e de ACM [Neto]. Eu quero entender um pouco o que é que tá se ando no pensamento do PT local. É claro que pode ser estratégia. Agora, botou uma candidata que não conhece Ilhéus. ‘Ah que as gestões foram péssimas em Ilhéus’. A mulher nunca fez uma campanha em Ilhéus. Como é que ela pode dizer isso? Ela está querendo saber dos problemas de Ilhéus agora? Ela está fazendo reunião para saber os problemas da cidade. Eu conheço os problemas de Ilhéus. É uma cidade com 1.540 quilômetros quadrados. Ela não deve saber. Eu já vivi isso, fui vice-prefeito, fui prefeito, minha mãe foi vice-prefeita. Tem que ter um histórico.
O senhor já foi aliado do PT, não foi?
Fui candidato a vice do PT de Ilhéus. Agora o PT infelizmente ficou assim.
E o prefeito Mário Alexandre vai fazer o quê depois de dezembro?
Eu sou um soldado. Sou sempre a favor da composição. Vou ajudar onde quiserem que eu ajude. Vou estar à disposição do governo, para que a gente possa estar articulando a região, podendo ajudar junto aos prefeitos. Tenho grandes amigos prefeitos. Então eu quero ajudar a população e servir.
Secretário do primeiro escalão em Ilhéus durante sete anos, Bento Lima vai testar em outubro se a população o aprova para um voo mais alto, o Poder Executivo da cidade. Vidraça de uma gestão de oito anos que se encerra em dezembro, o agora ex-secretário e pré-candidato pretende defender as ações do grupo, fazer crítica construtiva e criar, sobretudo no esporte e no turismo.
Em entrevista ao Bahia Notícias, Lima, que também é advogado e professor, comentou sobre uma possível junção da base de apoio do governo do estado em Ilhéus e disse como se defenderá de críticas de adversários, entre outras questões. Veja abaixo a entrevista na íntegra.
O senhor poderia contar a sua trajetória na gestão pública de Ilhéus?
Eu estou desde o dia 1° de janeiro de 2017 na prefeitura de Ilhéus. Saí no dia 5 de abril, que foi o prazo estabelecido para a desincompatibilização do cargo. Fui secretário de gestão durante esse tempo, trabalhando em projetos estruturantes para a cidade. Um exemplo foram os planos de cargos e salários da guarda municipal, dos agentes de trânsito e dos servidores em geral. Trabalhamos com a criação e implementação do PDV [Plano de Desligamento Voluntário]. Executamos diversas ações, como os convênios com os dos governos estadual e federal.
Foto: Divulgação
Qual era a realidade de Ilhéus antes e depois da sua agem pela secretária de gestão?
A gente pegou uma cidade com alguns problemas estruturais graves, com uma cobertura na assistência básica de saúde de 13%, hoje está com 73%, e com um problema de mobilidade complexo e enorme. Era uma única ponte para dar o a toda Zona Sul, deixando praticamente um lado da cidade isolada. Havia um problema muito grande de credibilidade da prefeitura frente a fornecedores, com a sociedade e com os próprios servidores públicos. Então nós tivemos o trabalho nesses sete anos e meio de dar a estruturação istrativa, urbanística e de serviços públicos essenciais como limpeza, iluminação pública e estruturação do sistema de saúde.
Quais são as propostas que o senhor traz para a cidade?
São propostas concretas. Criar o sistema municipal de esporte. Uma prática que a gente já vem estudando e que já foi implementada em alguns municípios do Sul do país, além de Salvador. Com isso, faremos a conferência municipal de esporte para poder catalogar os equipamentos públicos e privados de esporte da cidade, assim como as modalidades esportivas praticadas no município. Também identificar atletas, sejam os que praticam por lazer ou profissional, incluindo os de alta performance, além de requalificar equipamentos. No turismo, será a criação do plano municipal do setor com calendário anual de eventos, com festejos religiosos e eventos esportivos. Queremos criar um grande sistema de divulgação para poder vender e apresentar Ilhéus melhor. Queremos também criar o corredor náutico, com pontos de visitação no Rio do Engenho, Lagoa Encantada, na nossa Baía do Pontal. Isso seria feito por uma concessão na base da PPP [Parceria Público Privada]. A gente criaria nosso modelo arquitetônico e de engenharia e colocaria isso a disposição para que o setor privado queira fazer o investimento e explorar.
Como o senhor vai se comportar em uma campanha em que precisa fazer críticas e apontar questões não resolvidas pela gestão em que fez parte?
Hoje, quando você olha a Ilhéus do ado, a de 2016, e olha a Ilhéus de 2024 é diferente. Avançou muito. Hoje tem uma ponte nova, tem o hospital materno infantil, tem o Hospital da Costa do Cacau. A gente conseguiu tirar da lama mais de 230 famílias. Fizemos o maior programa de ibilidade a pessoas que moram nos altos da cidade, através de um programa de requalificação de escadaria. Nós fazemos parte da gestão que fez o maior programa de requalificação de prédios públicos. Das 125 escolas que nós temos, requalificamos, só na última gestão, 90 escolas. Requalificamos a maioria dos nossos postos de saúde. E isso tudo enfrentando óleo na praia, pandemia, a maior chuva dos últimos 40 anos. Então, quando eu faço crítica, eu faço a crítica construtiva, de sugestão, propositiva, e essa crítica me diz que agora temos que tratar do esporte, temos que tratar da cultura, temos que tratar do turismo. Porque as bases já foram lançadas. E agora nós estamos diante de novos problemas. E quem está na gestão pública, quem está na política tem que ser propositivo. Hoje, Ilhéus precisa sonhar em ser aquilo para o qual ela foi chamada a ser. Que é ser o maior centro turístico da Bahia. Ilhéus é uma cidade de médio porte que você tem aeroporto, porto, mar, rio, lagoa. Tem tudo aqui.
Foto: Divulgação
Fala-se de uma atuação forte do governo do estado no município de Ilhéus, com o Estado sendo responsável pelas principais ações. Qual o nível dessa intervenção?
Olha, é preciso ter uma articulação forte com o governo do estado, com diálogo consistente e permanente para se entender as dificuldades de implementação das obras. Eu estou dizendo isso porque nós tivemos a obra da ponte parada por quase dez anos. A duplicação da zona sul ficou parada por 15 anos. Nós pegamos diversas obras do estado paradas dentro do território de Ilhéus por falta de comunicação técnica, eficiente, e de articulação política. Nós tínhamos um lixão aqui em Ilhéus que era o lixão do Itariri, que era gerido pela Conder [Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado]. Nós assumimos a fiscalização e houve o fechamento do lixão. Hoje nós temos a destinação correta dos resíduos sólidos de Ilhéus. O governo do estado faz e realiza, é um parceiro de peso, porque também a prefeitura agilizou alvarás de construção e contrapartidas. Porque sem a parceria com a prefeitura nada acontece. E do ponto de vista político, Ilhéus foi base do governo do estado durante mais de 30 anos, mas que nunca se realizou tanto como nos últimos sete anos.
O governador Jerônimo Rodrigues disse durante as comemorações do Dois de Julho que está perto de uma junção entre os pré-candidatos com apoio do governo em Ilhéus. É possível uma chapa com a ex-secretária Adélia Pinheiro?
Eu tenho analisado isso com muita serenidade. Quando se diz candidatura do governo do estado em Ilhéus, a candidatura de Bento Lima é uma candidatura desse grupo. Porque deve se pensar também na base de sustentação do governo na Assembleia Legislativa da Bahia. E quando eu faço essa análise, eu preciso relembrar que a deputada Ângela Sousa foi base de sustentação do governo Jaques Wagner e do primeiro governo Rui Costa. E hoje, o mandato de Ilhéus na pessoa da deputada Soane Galvão está na base de sustentação do governo Jerônimo Rodrigues. Os votos que Jerônimo teve aqui em Ilhéus nós demos a ele.
Então, a ex-secretária Adélia Pinheiro poderia entrar com vice sua, seria isso?
Nós temos aqui em Ilhéus um histórico com as candidaturas do PT. Em 2012, esse grupo político que represento, o PSD, foi vice da candidata do PT à época e perdemos aquela eleição. Em 2016, nós pedimos ao PT do município para que nos apoiasse, indicando a vice. Eles decidiram pela candidatura própria, e nós vencemos. Em 2020, fizemos o mesmo exercício, abrimos diálogo, tentamos fazer com que o PT nos apoiasse, mas o diretório do PT de Ilhéus preferiu se coligar com o PP, do grupo de Jabes Ribeiro. E agora em 2024, nós estamos abertos ao diálogo. Mas pelo comportamento histórico do diretório do PT, eu acho muito difícil que a gente consiga ter o apoio do PT ao PSD.
Daqui a pouco mais de um mês começa a campanha eleitoral e os adversários vão explorar pontos negativos da gestão que o senhor representa. Um deles diz respeito a uma operação da Polícia Federal que investiga gastos com um abrigo para pacientes com Covid-19 durante a pandemia. Como o senhor responderá a essa questão?
Eu acredito nas instituições. E acredito que qualquer governo pode estar sujeito a investigações dos órgãos de controle externo. Porque a gente lida com a aplicação de recursos públicos. Então, nessa circunstância, se há algum elemento que precise ser investigado, a prefeitura de Ilhéus tem contribuído para essas investigações. E se ao fim e ao cabo ficar comprovado de que houve malversação de recurso público ou implicação de algum agente público, as providências devem ser tomadas de acordo com a legislação vigente. Agora eu acredito piamente que o recurso público foi aplicado corretamente. Porque quando a oposição levou essa denúncia infundada para a Polícia Federal, eu sei, porque estava na gestão, que o recurso foi aplicado para pagamento de médicos para salvar vidas, para pagamento de enfermeiro para cuidar das pessoas, para pagamento de psicólogos para cuidar da saúde mental das pessoas que estavam isoladas para evitar contaminação da Covid. Mas como a gente vive em um país democrático em que o poder de falar é dado a qualquer cidadão, cada pessoa fala o que quer e a polícia investiga os fatos.
Como será o tom da campanha eleitoral neste ano em Ilhéus?
Eu acho, sinceramente, que essa campanha vai ser como outras tantas que já amos aqui em Ilhéus. Como invoca o nosso senador e líder político Otto Alencar, nada resiste ao trabalho.
“Não vai mudar a política brasileira”, avalia professor sobre proposta de fim da reeleição
Por Francis Juliano
O tema do fim da reeleição voltou a ser discutido com mais ênfase em 2024. No Senado, uma proposta defende o fim do dispositivo, aprovado [de forma controversa] em 1997 e que beneficiou à época o presidente Fernando Henrique Cardoso. Na Bahia, figuras como o senador Otto Alencar (PSD) já se manifestaram contra a reeleição, e a União dos Municípios da Bahia (UPB) considera a discussão sobre o fim dela “oportuna”, desde que haja extensão dos mandatos.
Em entrevista ao Bahia Notícias, o cientista político Cláudio André avalia que a proposta não traz mudanças positivas para a política brasileira. Segundo o professor, a discussão sobre os dilemas das cidades ficaria encoberta por pautas de fora, e a carreira dos políticos locais ficaria mais limitada. Para o docente, outras questões são mais importantes do que o fim da reeleição, como mudanças no financiamento de campanhas.
“Isso vai dinamitar muita coisa. Eu acho que o pessoal não está conseguindo entender que isso não vai mudar a politica brasileira. Isso fica bonito no sentido da renovação, alternância, mas no dia a dia, o cara vai tomar posse e não pode se reeleger. E ele sabe que na eleição seguinte, ele não vai se candidatar a nada”, declarou ao BN.
Veja:
Qual é a sua opinião a respeito da proposta de acabar com a reeleição de prefeitos, governadores e presidente?
Para mim, essa proposta do fim da reeleição é problemática porque ela não dialoga com a realidade social e política. Eu vejo que o fator importante da eleição é exatamente permitir que essas lideranças tenham um tempo mais abrangente no poder. Eu penso que a reeleição foi colocada dentro de uma perspectiva de gerar estabilidade política, de gerar previsibilidade nas carreiras e para que o eleitor se sinta confortável em poder votar mais uma vez para a
continuidade de um determinado governo.
O que poderia ocorrer na política municipal com o fim da reeleição?
O nosso sistema político e eleitoral tem na política municipal várias especificidades. Uma delas é que os prefeitos e prefeitas não conseguem ascender, na sua grande maioria na Bahia, como também em outros estados, em torno de uma carreira estadual. Se a gente tem uma liderança política que não tem mais o direito à reeleição, obviamente, esse prefeito não vai ser lá na frente candidato a deputado estadual. É muito raro isso acontecer. Então vai ter que sair para vereador. O que é uma situação incomum. Uma liderança política no município que vai na eleição seguinte não ser candidato à reeleição, mas, veja, sair para vereador.
Um argumento de quem é contra a reeleição é a possiblidade de agrupar as eleições em um único dia. O que o senhor pensa sobre isso?
Eu sou contra. Não faz sentido juntar as eleições locais com as estaduais e nacionais. São três dimensões de organização política que tem suas especificidades. As eleições estadual e nacional juntas já geram um baita problema para mobilizar eleitores para votar em deputados estaduais e federais, governador e presidente. Já a eleição municipal é peculiar porque mobiliza os eleitores de uma forma geral a pensar na cidade, seja no funcionamento do trânsito, de escolas, de esporte e lazer. Há um risco gigantesco de você ter uma perda de capacidade dialógica de discutir as questões municipais. A vantagem de estar no cargo não necessariamente garante êxito. Em 2016, menos da metade [48%] dos prefeitos conseguiram se reeleger. Em 2020, o percentual foi um pouco melhor, ficou em 56,4%. Ou seja, a vitória não é garantida. Nessa última eleição teve o impacto da pandemia. É importante ter eleições que permitamque aquele político que tenta a reeleição seja julgado. Não vejo que seja um problema de grande valia. E tem outra coisa que a gente deve levar em consideração.
Qual?
A partir do momento que se retira a reeleição, quem está ocupando a cadeira de prefeito ou governador, obviamente, vai ter que organizar o seu governo para a sucessão. Isso pode gerar um vácuo político, um esvaziamento de poder tamanho, porque você elege uma pessoa e já está calculando quem vai organizar a próxima. Então, se acelera internamente esse caráter da sucessão contínua.
Ou seja, se na reeleição o candidato trabalha para si, com o fim dela, ele atuará para um aliado, é isso?
E gera instabilidade, gera um processo de quebra. Porque um prefeito eleito, naturalmente, ele é candidato à reeleição. E aí você tem uma previsibilidade das estratégias políticas que vão acontecer daqui a quatro anos. Se isso não é possível institucionalmente, se o prefeito João ganha, ele vai preparar Maria ou José, e esse processo embola porque você vai ter uma disputa sucessória.
Disputa entre quem?
A disputa pela sucessão se abre no ponto de partida, no início do mandato. Ou seja, quem é que vai ocupar tal secretaria de maior destaque? Quem é que vai ter mais recursos? A minha hipótese é que a gente aumentaria a disputa interna nos grupos políticos locais. A prefeitura já começaria a gestão sob conflito.
Como assim?
Vamos pensar na pessoa que quer se tornar governador, no caso aqui de Jerônimo Rodrigues. Se ele não tem a possibilidade de se reeleger, ele vai tentar o Senado. Mas o prefeito não. O prefeito vai virar o quê? Você tem 417 prefeitos na Bahia e tem 39 vagas para deputado federal e 63 para estadual. A conta não fecha. Obviamente que o cargo de prefeito pode ser reocupado por outras figuras, gerando mais competição, mas eu não vejo muito sentido nessa proposta. Acho que ela pode gerar muitos problemas. É aquele tipo de proposta que caso seja aprovada vai ser testada uma vez, e a tendência é que se reabra o debate para saber se ela vai continuar ou não.
A UPB e figuras como o senador Otto Alencar já se manifestaram pelo fim da reeleição. O que o senhor acha que mais os sensibiliza para defender essa proposta?
Essa é uma posição de quem defende que vai haver mais previsibilidade na ação dos prefeitos. Eu não vejo isso. Pode ser uma proposta de boa intenção, mas ela não dialoga em especial com o político que está na base, que é o vereador, que é o prefeito. Se a gente ficar olhando para cima, olhando para floresta, a gente vai ter problema.
Tem a questão do aumento do período do mandato que está inclusa nas propostas pelo fim da reeleição, não é?
O argumento que eu tenho observado é: aumenta-se o mandato, de quatro vai para cinco anos. E aumentando para cinco tem um grande problema. Vai ter políticos que poderiam ficar oito anos e que vão ficar cinco. Ele fica mais tempo em um mandato, mas vai demorar para voltar.
É uma proposta que pode deixar os políticos “bem na fita” com a opinião pública, já que o tema da reeleição divide opiniões?
Cai bem diante da população, mas isso é retórica. Tem que ser observado com base no dia a dia. Tem uma premissa que a gente pode observar que é o seguinte. Vários políticos se colocam na disputa municipal de forma sucessiva. Vamos pegar aqui o caso de Orlandinho (PT), lá em Cruz das Almas; e Paulo César (União), em Alagoinhas. Então repare só, a hipótese que a gente tem que observar é: como vai ficar essa carreira política nos municípios? Como é
que você vai diminuir a possibilidade de ter uma liderança que em vez de ficar oito vai ficar cinco para tentar voltar depois?
Isso muda a política em que sentido?
Isso vai dinamitar muita coisa. Eu acho que o pessoal não está conseguindo entender que isso não vai mudar a politica brasileira. Isso fica bonito no sentido da renovação, alternância, mas no dia a dia, o cara vai tomar posse e não pode se reeleger. E ele sabe que na eleição seguinte, ele não vai se candidatar a nada. Ele não vai sair candidato a vereador. Não é a tendência. Vai ser muito difícil isso acontecer. A não ser que haja uma brecha, e ele possa se candidatar como vice-prefeito. E mesmo assim gera conflito. O cara era prefeito e vira vice, é como se fosse rebaixado. Então eu não acho que seja uma mudança que vai consolidar um processo de mais qualidade para nossa democracia. Vai ser o contrário. Em vez de você ter um prefeito lutando pela reeleição, você vai ter um bocado de sucessor ali, se colocando.
O argumento da diminuição de gastos é algo que tem força na sociedade. O fato de fazer eleições de dois em dois anos mobiliza estrutura e muitas despesas. Como o senhor avalia esse ponto?
E não vejo que o custo da nossa democracia seja alto quando a gente considera a sua perspectiva de organização das eleições, de segurança. No entanto, outro debate que a gente deve levar em consideração é sobre o fundo eleitoral. Não vejo também como um grande problema, mas tem que começar a ser dado um freio. Não dá para cada vez mais você ter uma escala de maior gasto no fundo eleitoral quando existem outras prioridades a serem conduzidas no país. A unificação das eleições não pode jamais ter um argumento econômico.
Porque fazer uma eleição é caro mesmo. Só a Bahia é do tamanho da França. E nós vivemos em um país com dimensões continentais. Há alguma mudança que poderia ser feita no dispositivo da reeleição? Alguma coisa que a aprimorasse.
Eu acho que a gente deve pensar em um limite de ocupação de cargos no Legislativo. Talvez evitar quatro reeleições no mesmo cargo. Outra questão que deve ser considerada é de alguma forma limitar as candidaturas ao Senado, com duas ou três eleições. E uma medida que talvez seja interessante de ser considerada é exatamente a de ter uma mudança na regra em relação à perda de cargos no âmbito da Câmara de Vereadores.
Como seria?
A nossa Constituição organiza o número de cadeiras com base na população. Uma perspectiva que seria mais previsível é mudar esse número de forma automática a cada dez anos, com o Censo, para não acumular a defasagem ou aumento de vagas. Caso da Bahia é que a gente perdeu população e em consequência algumas vagas. Se a gente já tivesse mudado lá em 2000 ou 2010 não ia sentir tanta diferença. Esse é outro ponto também na reforma política que poderia estar presente nessa discussão.
Então, para o senhor, não haveria porque mudar o dispositivo da reeleição para quem está exercendo o poder?
Eu vou ser muito sincero. Não acho que mexer na reeleição vai ajudar muita coisa. Eu acho que o nosso foco tem que ser outras questões, como o financiamento de campanha, pensar mais mecanismos de participação da sociedade, ouvir mais a sociedade em relação a alguns temas, via plebiscito e referendo. E uma proposta que defendo, junto com o movimento feminista, é a perspectiva de reservar 30% das vagas para as mulheres. Pela legislação atual, os partidos são obrigados a lançar 30% de candidaturas femininas. Eu acho que essa lei pode continuar vigente. No entanto, a gente cria ali uma nova regra para reservar o mínimo 30% das vagas. Essa é uma medida, por exemplo, muito mais eficaz e urgente do que o fim da reeleição.
Juliana Araújo define não haver concorrência para as eleições municipais em Morro do Chapéu
Por Eduarda Pinto
Com uma das maiores unidades territoriais do estado, o município de Morro do Chapéu se destaca como a terceira maior economia da região geográfica imediata. Impulsionada pelo turismo, crescente comércio e os mitos de vida fora da Terra, a cidade registra um crescimento perceptivo dos índices socioeconômicos. Entre as recentes mudanças, esteve a eleição da primeira prefeita da história do município, a gestora Juliana Araújo (PL). Em entrevista ao Bahia Notícias, a prefeita definiu que o projeto de governo “diferenciado” a colocou em um estágio onde ela não tema a pressão adversária para as eleições em outubro. Veja abaixo a entrevista completa:
O que a senhora acredita que deixa a sua marca no município?
A marca principal é a gente cuidar do povo, gostar do que a gente faz. E eu gosto muito de ser prefeita. Durante os três anos de governo, a gente fez pesquisas qualitativas para saber o que cada povoado queria. Morro do Chapéu tem 5700 quilômetros quadrados. A gente tem povoados que ficam a 160 km da sede. Então, eu tentei fazer um pouquinho em cada povoado e na sede também o que as pessoas mais queriam. Os maiores sonhos do povo morrense, a gente está concretizando. A questão de obra é cuidar do povo, é ter um olhar diferenciado para as pessoas.
As estratégias para se comunicar com os cidadãos deram resultado?
Converso com todos, dos pequenos aos mais velhos. A gente vai fazer uma praça agora, que foi uma menina de oito anos que me pediu. Então assim, governar para o povo, não é o suficiente. É com o povo, porque eles têm que participar da istração. Eu peço que eles sejam os meus fiscais, porque eu não posso estar em toda a cidade olhando tudo. Então, se teve uma pessoa que quebrou alguma coisa pública? Fiscalizem se alguém jogou alguma coisa no chão, um lixo no chão, fala assim ‘Não, pai, não jogue lixo no chão, não, porque a gente quer uma cidade limpa’. Então a gente está governando todos juntos.
Morro do Chapéu foi uma cidade fortemente atingida pela estiagem no ano ado. Considerando os numerosos distritos rurais, quais foram as ações para amenizar esse problema?
A gente baixou um decreto de estiagem para que os produtores pudessem comprar as rações e o milho mais barato. Caminhão pipa não tava dando conta. A gente alugou mais caminhões pipas para poder abastecer essas pessoas e a vazão dos poços desceram demais, então a bomba não estava conseguindo pegar. Então a gente estava abastecendo as comunidades mais longínquas e a Secretaria de Agricultura em cima, ajudando sempre. Agora começou a chover. Eu já pedi para fazer o levantamento para revogar esse decreto de estiagem, porque as coisas já estão voltando ao normal. A assistência social fez o mapeamento de todas as famílias que estavam ando por dificuldade e a gente entregou diversas cestas básicas para as famílias.
Morro do Chapéu é uma cidade turística da região, onde o ecoturismo é muito forte. Quais são as estratégias do município para movimentar o setor?
A gente vender de uma forma boa Morro do Chapéu. O potencial de Morro do Chapéu é gigante. Mas eu acho que nas outras gestões não foram muito explorados. O deputado Pedro Tavares ou um projeto na Assembleia e em dezembro foi aprovado que hoje nós somos a capital do vinho da Chapada Diamantina, pelas nossas oito vinícolas. Para potencializar essa questão do turismo, a gente tem que mostrar para as pessoas que vale a pena ir para Morro do Chapéu. Vamos fazer agora, através do Sebrae, um curso para o setor hoteleiro e para o comércio também. Teremos a Feira Agropecuária, que acontece agora, nos dias 19, 20 e 21 de abril, que a gente movimenta mais de R$ 10 milhões no município. Também recebemos vários ETs na cidade, a gente tem um disco voador, que foi Seu Alonso que fez, ele viu um disco voador e se mudou para Morro do Chapéu, porque era o lugar potencialmente que tinha mais Óvnis. Então é a cidade fantástica, com seus segredos, com sua magia e vale muito a pena visitar.
A ibilidade é uma questão importante na região da Chapada. Existe alguma parceria com o Governo do Estado para fomentar as obras de infraestrutura das estradas vicinais e rodovias?
Zero. A gente faz. Graças a Deus, temos uma arrecadação boa. Lá a gente deve ter quase 2000 km de estrada vicinal e hoje, temos duas máquinas. Agora, no período de chuva, tem que refazer todas as estradas, principalmente porque as aulas estão começando, a gente começa a refazer pelas rotas de transporte escolar. A gente se vira. Graças a Deus, a gente tem deputados, principalmente o deputado Elmar Nascimento, que ajuda muito com emendas e a gente pode realizar esse trabalho.
Sobre a política, a senhora está no PL e recebeu convites para mudar de partido. Qual é a previsão para o futuro?
Estou no PL hoje por conta do meu pai, o ex-deputado Zé Carlos Araújo, que era presidente estadual do PL aqui na Bahia e em 2022, ele saiu do PL e eu continuei. Na verdade, não tinha porque eu sair naquele momento, não era minha eleição, então continuei no PL. E hoje meu pai está como vice-presidente do PDT. Recebi convite do PDT, pelo deputado também Félix Mendonça; União Brasil, por Elmar; do PSB, pelo deputado Angelo Almeida e no dia 21 de março, agora a gente vai ter a festa de filiação lá no município e vocês vão descobrir [qual convite aceitei].
Sobre as eleições municipais em outubro, como você avalia a sua possibilidade de reeleição esse ano?
Eu avalio que as pessoas, não só em Morro do Chapéu, saibam votar em quem trabalha, em quem dá resultado para a população e que seja uma eleição respeitosa, principalmente, que a rede social está muito forte. Tem a questão da inteligência artificial, que eu acho que vai ser um problema nessa eleição, vai ter muito fake news. Você pode, com inteligência artificial, estar prejudicando uma pessoa não só politicamente, mas também a sua família. Meu modo de fazer política, é um modo respeitoso. Eu não acho que eu tenha adversários. Acho que a minha adversária sou eu mesma, porque se eu não trabalhar, eu vou dar lugar para outra pessoa conseguir se eleger. Então eu não tenho medo de adversários, porque eu trabalho e espero que o povo reconheça esse trabalho que a gente está fazendo. Vejo obra, sou mãe, sou mulher e eu acho que para nós mulheres isso é complicado. Trabalhar, ser mãe, ser esposa. E eu espero que a eleição seja uma eleição boa e respeitosa para com os adversários.
Sendo uma mulher na política, como você lida com os ataques, assédio moral e misoginia?
Eu acho que toda mulher sempre sofreu. Todas nós já sofremos algum tipo de assédio moral, de misoginia. Os homens já são competentes e nós temos que provar que somos competentes. Eu tento me blindar ao máximo. Às vezes, tenho que entoar o tom de voz para as pessoas poderem me respeitar. E é difícil você ser mulher na política. Sou a primeira mulher prefeita de uma cidade de 114 anos, extremamente machista e eu sinto no gabinete, no dia a dia, muitos homens que chegam lá e falam assim, “eu estou sendo mandado por essa mulher?”. Você tá sendo mandado por uma pessoa competente, que foi competente para poder estar naquele lugar, independente de ser homem ou mulher. É uma tarefa diária.
Defesa Civil do Estado espera que prefeituras criem próprias secretarias para lidar com desastres naturais
Por Francis Juliano
As chuvas que caem na Bahia neste ano já deixaram 380 desabrigados, 2,2 mil desalojados e seis óbitos. Os dados são do último balanço da Defesa Civil do Estado [Sudec], divulgado nesta quarta-feira (28). Para o superintendente da pasta, Heber Santana, a tendência é que ocorram novos eventos naturais de impacto, o que acende o alerta para as cidades. Em entrevista ao Bahia Notícias, o titular da Sudec abordou a dificuldade de criar as secretarias de defesa civil no interior, comentou sobre a necessidade dos planos diretores e contou como funciona as defesas civis em cidades de pequeno porte, que contam, na maioria, com secretários “emprestados” de outras pastas. “A pessoa que é um secretário de agricultura, um secretário de meio ambiente, ele vai tocando sua pasta. Quando ocorre um problema é que ele vai se voltar paras ações de defesa civil”, declarou. Veja abaixo a entrevista completa:
Foto: Divulgação / Sudec
Quais regiões têm sido mais afetadas pelas chuvas no estado?
Olha, isso tem sido diversificado no estado. Tem municípios no Oeste, como Muquém do São Francisco, Wanderley e Cotegipe. Tem no Extremo Sul, como é o caso de Medeiros Neto. Tem no Sul, tem Ilhéus. Tem no Norte, em Paulo Afonso e Pedro Alexandre. Mas há ainda cidades no Sudoeste e na região sisaleira, que também registraram muita chuva. Na verdade, as chuvas, que estão acontecendo há mais tempo ocorrem em um corredor que começa no Oeste e a pelo Sul e Extremo Sul, que são as regiões mais atingidas.
Como os municípios acionam a Defesa Civil do Estado para obter apoio, uma vez que muitos não têm Defesa Civil própria?
Existe um comitê que é formado, e uma pessoa é delegada para ficar como responsável. Só que na grande maioria das vezes, essa pessoa acumula outra função. E aí, a gente acaba não tendo uma atenção exclusiva para as atividades de defesa civil. É um trabalho que a gente, inclusive, está fazendo para que os municípios possam entender a importância de constituir, efetivamente, uma defesa civil. O ano ado foi o ano que bateu recorde de desastres no Brasil. A tendência é que isso aconteça cada vez mais. Essa dinâmica de mudança climática tem tido esses efeitos. E nós precisamos que os municípios estejam melhor preparados.
Muquém do São Francisco após temporal no final de janeiro / Foto: Reprodução / Gazeta 5
A grande maioria das prefeituras têm os comitês ou eles só são formados quando os transtornos acontecem?
Esse comitê até tem, por conta de uma prerrogativa legal. Agora, o funcionamento ... Naturalmente, em municípios que não se tem muita expectativa de ter um desastre, o comitê fica realmente em segundo plano, já que o foco daquela pessoa que acumula outra função vai ser outra atividade. Eu vou dar um exemplo, a pessoa é um secretário de Agricultura, um secretário de Meio Ambiente, naturalmente ele vai tocando aquela secretaria. Quando ocorre um problema é que ele vai se voltar paras ações de defesa civil. E a gente sabe que a defesa civil vem de uma legislação nova. A lei que disciplina e cria a política nacional de proteção e defesa civil é de 2012.
Foto: Divulgação / Sudec
O senhor acredita que a crença da importância da defesa civil vai aumentar devido a esses contratempos?
Tem uma cultura sempre de dizer que o nosso país não tem problema, não tem furacão, não tem terremoto. Só que ao longo dos últimos anos, isso tem se mostrado diferente. A gente tem convivido com problemas sérios. Repito, fruto de tudo que tem acontecido. E a gente precisa estabelecer essa cultura de proteção e defesa civil. Então, o fortalecimento das defesas civis municipais, da defesa civil nacional, da defesa civil dos estados, tudo isso, é um processo que vai acontecendo, e a gente vai aqui militando, especialmente para que os municípios possam também se abrir para isso.
O senhor teve algum retorno de prefeitos, entidades, sobre a importância de se criar as defesas civis, sobretudo nas cidades de pequeno porte?
Temos algumas conversas já com a UPB [União dos Municípios da Bahia], através do presidente Quinho (PSD); com o prefeito de Castro Alves e o presidente da federação dos consórcios públicos do estado, Thiancle Araújo (PSD), e há muita boa vontade de parcerias, para que a gente possa ir fazendo esse trabalho de fortalecimento. No último ano, ajudamos a criar secretarias de defesa civil em Jacobina - para enfrentar aqueles problemas de tremores de terra - e outra em Luís Eduardo Magalhães.
A Bahia tem vivido nos últimos anos situações bem dramáticas, como aquelas enchentes do final de 2021. A tendência, pelas mudanças climáticas, é que outros eventos impactantes ocorram de novo. As cidades do interior se preparam para enfrentar situações semelhantes?
Esse processo de preparo é contínuo. Não vai parar nunca. Até porque existe uma dinâmica no desastre. Tem o evento natural, a chuva, o vento. E tem uma dinâmica humana também. Aí entran questões sociais, ocupação e uso do solo, local onde essas comunidades estão estabelecidas, topografia do município. Tudo isso, de alguma forma, contribui para uma maior gravidade desses eventos. Nós temos duas formas de fazer a gestão: a gestão de risco, que é antes do desastre acontecer. É o trabalho de preparação, de mitigação e de planejamento. E tem a gestão do desastre. Se ele já aconteceu, você vai para o salvamento, com ajuda humanitária, restabelecimento das condições e Corpo de Bombeiros.
Como se faz a recuperação de estradas vicinais, as chamadas estradas de chão ou de terra, já que elas servem para o transporte de pessoas no interior dos municípios e ficam bem deterioradas quando chove muito?
Quando a estrada é destruída, tem que fazer ela novamente para poder liberar o o. Mas nós ainda fazemos reconstruções de ponte, obras de drenagem.
Foto: Divulgação / Sudec
Uma questão que é pouco discutida em cidades de pequeno porte se refere aos planos diretores, que servem para organizar o espaço urbano. Na Bahia, mais de 60% das cidades do estado têm até 20 mil habitantes. O senhor acredita que essa questão de plano diretor é negligenciada nesses municípios?
O Estatuto das Cidades criou uma obrigação e uma necessidade de resposta mais rápida realmente para os maiores municípios. Mas todas as cidades têm essa carência e essa necessidade de ter um plano diretor que conduza o desenvolvimento. E de fato isso faz muita diferença quando você vai preparar a cidade para enfrentar as adversidade do tempo e tudo mais. E como eu disse, inclusive, também tem questões sociais a serem observadas. Por exemplo, há comunidades ribeirinhas que vivem do rio e que não dá para simplesmente tirá-las dali. Você também não pode fazer intervenções de qualquer maneira em uma área que é de preservação ambiental. Então, é preciso encontrar esse equilíbrio, que é um grande desafio para as prefeituras.
Especialista avalia economia baiana para 2024; analista diz que estado precisa de mais cooperativismo
Por Francis Juliano
O que esperar da economia baiana em 2024? A pergunta inadiável também a por saber qual setor deve se destacar e qual deve sofrer. Outra questão é: a indústria baiana vai vingar? O setor baiano tem mostrado mais baixa do que a indústria brasileira durante anos. O semiárido baiano pode ser viável? Esta é outra indagação.
Para responder a essas e outras questões, o Bahia Notícias conversou com Luíz Mário Vieira, analista de conjuntura da SEI [Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia]. Segundo o também mestre em economia, falta ainda ao estado o fortalecimento do cooperativismo, relegado quase apenas à agricultura familiar.
O recurso serviria para proteger empresas e evitar a fuga de outras, sobretudo nas cidades de médio e pequeno porte do estado. “Se sabe que o cooperativismo foi o grande diferencial em outros estados, como os do Sul do país. Lá é algo muito forte. Eles lutam pela defesa dos interesses deles. E aqui é uma coisa bem isolada, ficando mais na agricultura familiar”, declarou. Confirma abaixo a entrevista na íntegra.
Foto: Divulgação / SEI
Primeiro, o que podemos aguardar da economia baiana em 2024?
A gente tem verificado que as previsões estão sendo muito erráticas nos últimos anos, não é? Ou seja, se a gente pegar mesmo 2022 e 2023, a previsão era de crescimento de 0,8%. E os economistas acabaram surpreendidos pela dinâmica da economia brasileira. Hoje, nós temos uma previsão de que a economia feche em torno de 3%. Isso em nível de Brasil. Agora, a Bahia costuma ter uma situação peculiar.
Qual situação?
O setor industrial não foi bem, sobretudo a indústria de transformação, como no setor petroquímico e no setor de refino de petróleo. A gente teve uma retração na indústria, que deu nesse resultado ruim para o PIB do estado, que ficou uma taxa muito aquém do que a gente esperava. O PIB da Bahia no terceiro trimestre ficou em 0,2% e consequentemente no ano nós teremos uma taxa de 0,5%. Por isso, esperamos fechar o ano com um taxa pela metade da do Brasil, ou seja, em torno de 1,5%. E o caso da Bahia também é em decorrência da concentração da atividade industrial em poucos setores.
A saída da Ford ainda causa impacto?
Acredito que não. A saída da Ford foi em 2021. Os efeitos dela ocorreram em 2022. De lá para cá, a base de comparação não incluiu o efeito Ford. Agora, nós tivemos bons resultados nos setores de agropecuária e de serviços, que vem correspondendo nos últimos anos. Eles deram uma recuperação muito significativa para o PIB da Bahia logo após a pandemia.
Foto: Reprodução / SEI
Há algum setor em especial que deve crescer mais na Bahia?
Olha, nós esperamos uma recuperação do setor industrial. Porque quando a gente fala em indústria em relação ao PIB, falamos de indústria de transformação, extrativa, além de aumento de demanda em eletricidade e construção civil. Sei. Segundo a Ademi [Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário], houve um crescimento de 60% em lançamentos na construção civil. Isso é importante. Por que se você lança, você vai construir. E tem a queda da taxa de juros, que ajuda a financiar os lançamentos. Na indústria, a gente espera alguma recuperação, principalmente no setor de refino. A Petrobras tentando fazer uma parceria com a Acelen [que istra a Refinaria Mataripe], também é interessante. E tem alguns gargalos no setor industrial, como a questão da Unigel [fertilizantes], que a gente não sabe como vai ficar. Tem a metalurgia, como a Paranapanema, que está em recuperação judicial. Tem uns setores que se expandem. Papel e celulose vão continuar tendo um bom desempenho porque a demanda internacional vai continuar se mantendo. E não vai ter um processo recessivo no mundo no ano que vem. As perspectivas são mais favoráveis com a expectativa de que as taxa de juros no mundo sejam reduzidas.
Eu queria voltar para a questão da indústria baiana. A indústria baiana caiu quase o dobro da economia brasileira em dez anos. Enquanto a baixa no país foi de 12,4%. No estado, foi de 22,6%. Como recuperar a capacidade industrial?
A indústria da Bahia tem um aspecto. Ela vive momentos de explosão e depois acomodação. Houve isso lá atrás, no final dos anos 70, com o polo petroquímico [Camaçari]. Depois, veio a Ford. Agora, a gente espera que com a chegada da BYD haja isso, dando um choque no setor industrial. Porque vai ser bom na produção como também na inovação, já que eles pretendem criar um campo de inovação aqui na Bahia.
Quais setores têm potencial de se desenvolver aqui no estado?
Na pandemia, ficou evidente que a gente não produzia nem máscara. Não tinha seringa e insumos básicos, o que acabou atrasando a vacinação. Aqui, nós temos o Cimatec [Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia], que trabalha com inovação e tem um setor de excelência em saúde. Tudo isso nós temos condições de desenvolver. E Salvador está caminhando para ser um centro de excelência na questão de saúde no Nordeste. Os melhores hospitais estão aqui ou têm filiais, como Mater Dei, Rede D’or e por aí vai. O hospital que você tem aqui é o mesmo que você tem em São Paulo. Tem a economia verde também. A gente tem que trabalhar com esses essa questão da descarbonização da economia. É uma palavra um pouquinho feia, mas é o caminho mesmo.
E o semiárido baiano? Qual o potencial dele que ainda não foi desenvolvido?
Acredito que a pelas energias renováveis. Precisa também de pesquisa para apontar o caminho. A gente sempre cita o exemplo de Israel, que vive em um deserto e consegue produzir muita coisa. Acho que também precisa trabalhar com o conceito de eficiência. Se o semiárido trabalhar nesse sentido, ele pode ser viável. A Embrapa, que é uma empresa pública, por exemplo, ajudou no salto que o agronegócio teve. Ela colabora não só na produção como no valor agregado, ou seja, hoje o setor não exporta somente o produto primário. Exporta também o produto acabado.
Foto: Reprodução / SEI
Mas se diz que o agronegócio produz muito, gera muito lucro, mas emprega pouco.
A agricultura antes era o setor que empregava mão de obra de baixa qualificação. Mas isso tem mudando radicalmente. O que a gente vê nas feiras que acontecem lá em Luís Eduardo Magalhães, no Extremo Oeste baiano, é o aumento do nível tecnológico agregado às máquinas. Então não vai ser qualquer um que vai sentar ali para dirigir uma máquina daquelas, tem que ter um conhecimento. Mas, apesar de menos emprego, o setor gera uma cadeia de serviços. Luís Eduardo Magalhães, um município criado recentemente, já aparece como um dos maiores PIBs do estado. Isso é muito importante.
A Bahia é um estado com 61,6% de cidades com até 20 mil habitantes e apenas 18 delas têm mais de 100 mil habitantes. Aquele modelo de empresas de fábrica de calçados ainda tem potencial?
Esse modelo teve seu momento, principalmente diante da questão da guerra fiscal entre os estados. O governo deu muitos benefícios, deu terreno, galpão, e ao longo desse período várias dessas empresas foram embora. E uma coisa que não se desenvolveu aqui na Bahia é o cooperativismo. Falta até um estudo sobre isso. Só a agricultura familiar é que consegue ter cooperativas. E ela fornece quase 80% da alimentação que se consome aqui. Tem que ver também o que o mercado precisa e que seja competitivo, sem precisar de uma ajuda tão substancial do estado, porque a própria legislação não vai permitir que se faça mais isenções fiscais e tributárias, embora no primeiro momento, na instalação delas seja necessário.
Falta cooperativismo na Bahia então?
Eu acho que falta. A gente observou muito isso quando foi criado o setor calçadista. Quando se tentou as cooperativas para gerirem o negócio, o resultado não foi exitoso. E aí voltou a relação tradicional capital-trabalho.
Não deu certo por quê?
Isso ainda nós não sabemos exatamente, mas se sabe que o cooperativismo foi o grande diferencial em outros estados, como os do Sul do país. Lá é algo muito forte. Eles lutam pela defesa dos interesses deles. E aqui é uma coisa bem isolada, ficando mais na agricultura familiar.
Um dos problemas que afetam o desenvolvimento do estado é a infraestrutura precária?
Essa ferrovia [Fiol] está muito atrasada. Com a Fiol, a gente poderia encontrar mecanismos de produção que sejam adequados à nossa realidade, com o semiárido e a região do cacau. Você pode dar dinamismo naquela região, buscando outras alternativas, além do cacau.
Foto: Reprodução / SEI
O que a gente pode vislumbrar para o desenvolvimento no estado ano que vem?
Olha, o El Niño vai atrapalhar na agricultura. Isso a gente não tem dúvida, apesar de o pessoal do Oeste ter uma área irrigada. No setor industrial, a gente espera pela própria base de comparação um desempenho melhor. O governador assinou algumas licitações, como a do VLT [Veículo Leve sobre Trilhos] em Salvador. A rodoviária [de Salvador] deve sair no ano que vem. A própria Fiol se continuar no seu processo de construção, também vai ter um impacto na própria construção civil habitacional. Essa reflete tanto na demanda de insumos como na geração de empregos. Com essa seca, a demanda por eletricidade vai crescer e o nosso parque eólico vai ser mais acionado. Em relação à BYD, não podemos esperar muita coisa, já que ela ainda não vai operar ano que vem, mas pode dar um incentivo à geração de energia. E o grande setor, que é o de serviços, que representa mais de 60% da economia baiana, vai bem.
E associado ao elemento da geração de renda. E boa parte das pessoas recebe salário mínimo, que repercute nos aposentados e quem tem benefício. Se a inflação estiver controlada, esse salário tem um ganho real e isso ajuda as pessoas.
Maior efeito do governo Bolsonaro foi a volta ao mapa da fome, diz coordenador baiano de programa de cisternas
Por Francis Juliano
Premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), um dos exitosos programas de convivência de populações do semiárido com a seca quase desapareceu. Iniciado na virada dos anos 2000, o programa de cisternas sofreu forte queda no ree de recursos nos últimos quatro anos.
Para Cícero Félix, coordenador nacional na Bahia da ASA (Articulação do Semiárido Brasileiro), o abandono do programa impactou nas condições de sobrevivência. "O maior impacto foi a volta do Brasil ao mapa da fome. O não investimento em políticas de o à água, de garantia de direito humano de o à agua, impactou seriamente nas famílias", declarou.
Em entrevista ao Bahia Notícias, Félix, que também é técnico em agropecuária, informou a meta da Bahia para o programa neste ano, detalhou como ocorre a formação dos beneficiados e afirmou que a iniciativa precisa chegar na universalização da água, conquista ainda fora do horizonte de todos os sertanejos. Veja abaixo a entrevista na íntegra.
Foto: Divulgação / ASA
Queria saber como está a realidade do sistema de cisternas no semiárido baiano?
O governo anterior praticamente desestruturou, desmontou o programa de cisternas no Brasil. O orçamento que tinha para o programa de cisterna neste ano era de R$ 2 milhões. Isso daria para construir em torno de 400 cisternas, de primeira água, no Brasil todo. Ali no governo de transição, com a eleição do presidente Lula, nós conseguimos, com a sociedade civil organizada através da ASA e de outras organizações, e hoje o orçamento do programa é de R$ 500 milhões para este ano. Saímos de R$ 2 milhões para R$ 500 milhões. O governo também lançou um edital para construção de 51 mil cisternas de primeira água e mais 5 mil para produção de alimentos.
Para a Bahia seriam quantas cisternas?
A meta para Bahia são dez mil cisternas de primeira água, aquela para beber e para consumo, e mais umas mil cisternas para produção de alimentos e manejo de animais. Com a ampliação do semiárido, se estima que na Bahia existam de mais de 150 mil famílias sem a primeira água. Já na segunda água, ainda são poucas famílias que tem esse recurso. Por isso, a maior demanda é para essa segunda água.
Qual foi o tamanho do impacto do governo federal anterior na falta de investimentos no programa de cisternas?
Olha, o maior impacto foi a volta do Brasil ao mapa da fome. O não investimento em políticas de o à água, de garantia de direito humano de o à agua, impactou seriamente nas famílias.
Foto: Reprodução / ASA Bahia
Dá para apontar quais municípios ou regiões baianas foram mais prejudicados com a falta de investimento da gestão Bolsonaro no programa de cisternas?
Não temos ainda esses dados, mas posso dizer com certeza que os municípios com os índices mais baixos de IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] foram os mais afetados. Porque eles têm a economia dependente da agricultura familiar. Nestes municípios, os impactos foram profundos. Porque o governo anterior desmontou o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que era o ministério que apoiava a agricultura familiar, desmontou praticamente o programa de cisternas, desmontou o sistema de segurança alimentar nutricional do país.
Nós tivemos um político com eleitorado na Bahia, João Roma (PL), como ministro do governo anterior que tratava desse assunto. Como era a relação com ele?
Na época, ele foi ministro da Cidadania. Nós tentamos contato com o ministério dele, mas infelizmente não foi possível. Nós não conseguimos dialogar com o ministério para executarmos o programa cisterna. Infelizmente.
E atualmente, como está a relação?
Hoje, conseguimos dialogar. A relação é de construção, dialogando sobre as possibilidades. A meta é garantir o o universal para a água de consumo. No caso da água para produção de alimentos, ainda estamos distante da universalização. Sabemos que tem a disputa por orçamento público, isso é da construção e priorização das políticas. O MDS já lançou edital para contratação das organizações, e nós estamos nesse processo agora de finalização de editais para contratar as organizações que executar na ponta o programa cisterna.
Foto: Reprodução / ASA Bahia
Para recapitular o programa de cisternas é uma iniciativa da sociedade civil, não é mesmo?
O programa de cisternas foi na verdade nós da ASA que apresentamos o chamado programa para mobilização social para convivência com o semiárido. Dentro desse programa tinha a proposta de criar um milhão de cisternas. Nós fizemos isso pela primeira vez ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Era um programa piloto. Depois, no governo Lula virou política pública. No último governo, o programa quase que desapareceu.
A ASA é apontada como uma organização à esquerda, mas vocês já se manifestaram contra Dilma [Rousseff], não foi? A entidade se sente independente?
A ASA não tenho partido. É uma rede de organizações da sociedade que apresenta proposta de políticas públicas que interessam aos povos do semiárido. E nós dialogamos, nós construímos políticas públicas, e executamos. Apresentamos propostas no governo Fernando Henrique, no governo Lula, no governo Dilma, no governo Temer, mas a situação ficou difícil no governo Bolsonaro. Na época do primeiro governo Dilma, nós enfrentamos uma situação. Colocamos milhares de pessoas nas ruas para que questionar o governo por conta do desvirtuamento que estava sendo proposto no programa, que era a construção de cisternas de plástico. A pressão política é necessária para que os governos possam fazer as políticas que interessam as populações dessa região, e isso independente de cores partidárias.
Foto: Reprodução / ASA Bahia
Qual o problema das cisternas de plásticos?
O problema são os impactos dessa água armazenada durante muito tempo nesse solzão do semiárido. Imagine o plástico esquentando durante o dia e esfriando durante a noite, ampliando e encolhendo. A gente não sabe o que se libera de toxina. Além do mais, o programa cisterna não é apenas a construção de um tanque, de um reservatório. Envolve toda a formação social para convivência com o semiárido. A questão da gestão hídrica. De a família poder conhecer como é que funciona a questão das chuvas. Fazer a boa gestão da água. Tem ainda a questão da economia local, com contratação de pedreiros, compra de material no comércio, ou seja, fortalece também a economia local.
Como é a formação dessas pessoas que recebem cisternas?
A cisterna chega por último na família. Para a família receber a cisterna, ela precisa primeiro se envolver no processo de formação e mobilização social pra convivência com o semiárido. Aprender como ela pode manejar e cuidar dessa cisterna, tratar a água. Muitas vezes se criticava que as cisternas não tinham água de boa qualidade. Mas antes de chegar na boca das pessoas, ela precisa ar por um filtro. Então, a água sai da cisterna e é filtrada para se ter um bom uso dela.
Há previsão de novas estiagens no semiárido. Como o programa de cisternas pode ser alternativa para o enfrentamento desse problema?
Nós já estamos em um período de emergência climática, né [sic]? Então, a tendência é que cada vez mais a gente vivencie eventos extremos. Muita seca, muita enchente. No semiárido, a tendência é que a gente tenha chuvas mais irregulares no tempo e no espaço. A nossa proposta de convivência com o semiárido dialoga com todas essas esses desafios. Nossa grande estratégia é a do cuidado e da estocagem. As famílias precisam estocar água no período chuvoso para ter no período seco. As famílias precisam estocar alimentos pra si e para os animais no período chuvoso para usar no período de seca. Precisam guardar, precisam preservar, cuidar das sementes, das plantas, dos animais para não perder o seu patrimônio genético. A estratégia é a partir da realidade das famílias, das comunidades, dos biomas que cobrem essa região, caatinga e cerrado, trabalhar o cuidado desses biomas. E para isso, precisamos de políticas públicas para investir nessa perspectiva.
Foto: Reprodução / ASA Bahia
As mulheres têm papel importante na gestão das cisternas?
A tecnologia de segunda água, aquela para produção de alimentos, acompanha junto o chamado Quintal Produtivo. E geralmente a água para produção é gerenciada e cuidada pelas mulheres.
O programa de cisternas precisa de aprimoramento?
Bom, o programa de cisternas é premiado internacionalmente. Já recebeu prêmios da Organização das Nações Unidas (ONU), recebeu prêmio de políticas com resultados comprovados contra a desertificação, recebeu prêmio como políticas de futuro para segurança alimentar das famílias. Então, assim, é um programa que dá certo, que funciona, que tem gerado grandes resultados para as populações que já têm cisterna em casa. Nós não vamos ficar reinventando a roda, nós temos é que garantir que as famílias tenham o a essas tecnologias.